domingo, 1 de outubro de 2017

Tamandaré, Caxias e Osório: A trinca de “Ases” do Império Brasileiro


Por: Paulo Dartanham Marques de Amorim

Feliz a instituição que reconhece e cultiva os seus valores. Louvemos a Marinha do Brasil pelo culto, neste bicentenário de nascimento, ao “Velho Marinheiro”, como desejou ser lembrado o Almirante Joaquim Marques Lisboa, em seu testamento. Muitos já louvaram os seus feitos e a sua biografia. Mas o homem não é só ele em si, é ele e as suas circunstâncias. Tentarei, com engenho e arte, descrever as do nosso personagem. As lutas travadas no tempo do Império e os homens que delas tomaram parte são as suas circunstâncias. A Marinha a sua vida. Dentre os muitos que percorreram a mesma jornada, viveram o mesmo tempo e as mesmas circunstâncias, escolhi os Marechais Luis Alves de Lima e Silva e Manoel Luis Osório pelos laços que os uniram, pelas semelhanças e diferenças de comportamento.

O IMPÉRIO

Os três foram grandes do Império pelos feitos que realizaram. Defenderam o Brasil de si mesmo e do exterior. Sobreviveram às lutas e às vicissitudes da época. Escolhidos como patronos das suas instituições, comandam, através das gerações, pelo exemplo, os valores que ainda hoje cultuamos. Receberam os títulos: Luis Alves de Lima e Silva, Duque de Caxias; Joaquim Marques Lisboa, Marquês de Tamandaré; e Manoel Luis Osório, Marquês do Herval. Caxias foi chefe dos dois; descobriu o valor de Tamandaré, ainda jovem, na pacificação do Maranhão; com Osório tocou os estribos do sul, na Revolução Farroupilha. Tamandaré e Osório, gaúchos de nascimento, souberam pairar acima das paixões e ver o Brasil maior; não participaram da Revolução Farroupilha, extinta com a participação de Caxias. Note-se que Osório, tendo sido arregimentado pelos farrapos no iní- cio da luta, soube passar depois para o lado da causa maior, sem vacilações.

A VOCAÇÃO MILITAR


Caxias e Tamandaré abraçaram a carreira das armas, ainda bem jovens, impulsionados por irresistível vocação e seguindo o exemplo de seus pais. Osório, filho e neto de soldados, não desejava para si o destino dos homens das armas. Alistou-se na Legião de São Paulo, por imposição paterna, aos 15 anos de idade. Chorando, afastou-se de tudo aquilo que amava: a sua estância, a sua família e a vida campesina. Estava, contudo, destinado a se transformar num grande guerreiro e no mais amado dos nossos generais. A formação cultural também diferenciou os três. Caxias teve formação acadêmica na Real Academia Militar, no Largo de São Francisco. Tamandaré freqüentou, algum tempo, a Real Academia de Marinha, dela se afastando pelas circunstâncias das lutas. Osório foi autodidata. Almejava uma formação humanística, mas, ao iniciar a vida guerreira, possuía apenas as letras ensinadas pelo sapateiro Manuel. Tornou-se poeta e bem escrevia, como se depreende de suas cartas a Tamandaré.

A CORAGEM FÍSICA

Aos três a natureza aquinhoou com inequívoca coragem física e serena bravura. Tamandaré nunca hesitou em atirar-se nas águas bravias dos mares para salvar vidas humanas. Caxias, já sexagenário, não vacilou em esporear a sua montada sobre a ponte de Itororó, arrastando com o seu exemplo a tropa que lhe seguia, desafiando aos que fossem brasileiros que o seguissem. Osório, após levar um tiro no rosto, cobriu a face com o poncho e a galope percorreu a linha pedindo aos seus comandados que acabassem com aquele resto de luta. Aquele ferimento foi a causa da sua morte, anos mais tarde.

A ATUAÇÃO POLÍTICA

Naquela, época o Brasil também se conformava politicamente e, nesse campo, os militares atuavam no exercício da sã política. Caxias e Osório foram senadores por seus estados. Um conservador e o outro liberal consciente. Caxias tinha a concepção estratégica e política da batalha. Exigia o comando político e militar das operações, não fazia concessões. Mas, como afirmou no Maranhão, “Mais militar que político, quero até desconhecer os partidos existentes entre vós”. Sabia atingir os fins a que se propunha. Sabia utilizar-se do instrumento da anistia. Sabia pacificar os ânimos. Desconheço atuação política de Tamandaré, como é próprio dos homens do mar. Fazia a política da Marinha e do Poder Naval que crescia com o crescimento do Brasil. Ao apresentar-se preso ao Marechal de Ferro, por ocasião da prisão de 13 generais, exerceu a política da solidariedade, não foi um ato de indisciplina ou contestação ao novo regime. Homem do Império, assistiu o advento da República. Acompanhou o Imperador até os últimos momentos de sua estadia no Brasil. “O que está feito, está feito.” Seu olhar tinha uma visão mais ampla da sua nação que superava as paixões momentâneas.

O TINO ADMINISTRATIVO


Aos três não faltou o tino administrativo. Caxias notabilizou-se na organização do apoio logístico. Sobressaiu-se muito bem no governo do Maranhão, aspecto pouco explorado na nossa historiografia. Ministro da Guerra em quatro oportunidades deu provas inequívocas do seu tirocínio administrativo. Osório morreu Ministro da Guerra. Tinha uma ampla visão da organização do equipamento do território. Preocupava-se com a construção das estradas de ferro que permitiriam um apoio cerrado às operações no Rio Grande e na defesa do território. Tamandaré, na Europa, acompanhou a modernização da Marinha fiscalizando e opinando na construção de navios de propulsão mista (vela e vapor). Na Guerra do Paraguai, comandou as forças navais em 1865 e 1866, organizando o bloqueio naval sustentado por um eficiente apoio logístico, que ele implantou para superar a deficiência que seria causada pela longa distância da Esquadra da sua base de apoio no Rio de Janeiro.

O RELACIONAMENTO ENTRE TAMANDARÉ, CAXIAS E OSÓRIO

As nossas operações militares, no período da Regência e Império, caracterizaramse pelo emprego das operações conjuntas, nas quais se torna imprescindível um relacionamento efetivo e harmonioso entre os comandantes das forças terrestres e navais. Os laços de amizade, camaradagem e respeito entre esses três líderes militares nos proporcionaram as retumbantes vitórias alcançadas na construção do edifício da nossa nacionalidade. Coube a Tamandaré a oportunidade de proporcionar ao seu amigo Osório a glória de ter sido o primeiro guerreiro, o audaz cavaleiro que o solo inimigo primeiro galgara, no Passo da Pátria, quando o Brasil, após repelir do seu território o audacioso e tenaz agressor, passava a mostrar à América a reação do gigante País que se formava. Os dois chefes eram amigos fraternais.

Parece-me que existia algum laço de família, pois em cartas que pesquisei no Arquivo de Tamandaré, existente e muito bem cuidado no Serviço de Documentação da Marinha, Osório chamava de “primo” o velho marinheiro. Caxias descobriu o valor de Tamandaré no Maranhão e muito o recomendou aos seus superiores navais. “Homem de valor a fazer progredir”, consta de documento encontrado no Arquivo Histórico do Exército e transferido ao Serviço de Documentação da Marinha. Caxias e Osório se encontraram no sul. Dizse que quando os estribos se chocam uma amizade está selada para sempre, e assim aconteceu. Caxias aconselhava Osório. Os dois foram senadores, Osório, político, sabia condescender com o inflexível companheiro conservador que não dispensava o cumprimento formal e regulamentar do antigo subordinado, mais moderno no trato castrense.

NA MORTE


Osório, o mais moço dos três, foi o primeiro a deixar esta vida, faleceu em sua casa na Rua de Mata Cavalos, atual Riachuelo, no exercício do cargo de Ministro da Guerra. Desconheço o seu testamento, se houve. Perguntado sobre o seu estado de saúde, respondeu a um amigo “águas abaixo, para a eternidade.” Apreciador dos prazeres do mundo, ainda deu uma última baforada no charuto que um amigo fumava. Foi embalsamado. Caxias foi a seguir. Afastado de tudo e desiludido dos homens, retirou-se para a Fazenda de Santa Mônica, de um de seus genros. Pediu que o seu enterro fosse feito sem pompa, e só como irmão da Cruz dos Militares, no grau que ali tinha. 

Dispensou o estado da Casa Imperial e os convites para cerimônia fúnebre; não queria ser embalsamado e dispensou as honras fúnebres que lhe pertenciam como marechal-de-exército. Só desejou que mandassem seis soldados, dos mais antigos e de bom comportamento, para pegarem nas argolas do seu caixão, aos quais seria paga uma gratificação de trinta mil réis a cada um pelo seu testamenteiro. Tamandaré sobreviveu ao Império, presenciou o advento da República e nesse regime faleceu. Exigiu, também, toda simplicidade no seu enterro e que seus restos mortais fossem conduzidos por seus irmãos em Jesus Cristo que houvessem obtido o foro de cidadão pela Lei de 13 de maio de 1888. Sobre a pedra que cobrisse a sua sepultura se escrevesse: Aqui jaz o Velho Marinheiro.”

NA POSTERIDADE

A nação brasileira começou o reconhecimento a esses três vultos insignes de sua história ainda em vida. Grandes do Império, Caxias e Osório foram ministros e senadores; Tamandaré e Caxias receberam o Colar da Ordem Imperial da Rosa, únicos brasileiros a serem agraciados além do Imperador D. Pedro II. Tornaram-se patronos de suas instituições: Caxias do Exército, Tamandaré da Marinha e Osório da Arma de Cavalaria. Não hesitarei a estender a Tamandaré e a Osório o que o Monsenhor Joaquim Pinto de Campos afirmou de Caxias: “Nunca homem, com tamanha glória, foi a essa glória tão superior; nunca homem, com tamanho mérito, do seu mérito se orgulhou menos: nunca homem, com tantos e esplendentes sucessos, tanto desadorou ostentações ou lisonjas; nunca homem a tanta grandeza, reuniu tal grau de modéstia, clareza e bondade; nunca homem, com tanto engenho e saber, sentiu menos filáucia; nunca homem, com tantas razões de se desvanecer de si próprio, menos de si se ocupou, menos se infectou do amor de sua pessoa.”

Nota da Redação: O Autor do Artigo, Srº Paulo Dartanham Marques de Amorim Coronel de Cavalaria do Exército Brasileiro (R/R), mestre e doutor em Aplicações e Estudos Militares. Cursado na Escola Superior de Guerra, dedicou-se aos altos estudos de Política e Estratégia. É sócio jubilado do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil (IGHMB) e sócio efetivo da Academia de História Militar Terrestre do Brasil e da Sociedade Brasileira de Cartografia.

Fonte Bibliográfica: Revista Navigator, V. 3, Nº 6, 2007