Por: José Renato Gama de Mello Serrano
A
participação brasileira na Missão das Nações Unidas para a
Estabilização no Haiti (MINUSTAH) foi uma experiência sem
precedentes na história das Forças Armadas brasileiras. O
crescimento profissional e a evolução da doutrina militar são
pontos a se ressaltar nesse processo de mais de 13 anos vividos
intensamente pelo Exército Brasileiro. Nesse contexto, o Centro
Conjunto de Operações de Paz do Brasil (CCOPAB) participou
diretamente do sucesso obtido por nossas tropas em solo caribenho.
Em
abril de 2004, quando foi criada a MINUSTAH, o treinamento dos
militares que seriam desdobrados era feito com base na experiência
de alguns contingentes nacionais em Angola e Moçambique. No entanto,
o Haiti representava um desafio ainda maior, uma vez que a missão
era nova e cabia ao Brasil liderar o componente militar, tarefa que
jamais havia sido atribuída a um militar brasileiro. Após
os três primeiros contingentes, verificou-se a necessidade de
implantação de uma sistemática de treinamento, a fim de aproveitar
o conhecimento adquirido no terreno para melhorar a preparação da
tropa.
Dessa forma, o Exército criou o Centro de Instrução de
Operações de Paz (CIOPaz), com sede no 57o Batalhão de Infantaria
Motorizado (Escola), no Rio de janeiro, Unidade ímpar e que teve
papel fundamental no treinamento dos contingentes. A
partir de 2006, o CIOPaz instituiu série de estágios que
capacitavam os oficiais integrantes do Batalhão Brasileiro de Força
de Paz (BRABAT) e da Companhia de Engenharia de Força de Paz
(BRAENGCOY), tanto na sede do preparo, quanto no próprio
aquartelamento do Centro. Após essa etapa, os oficiais repassavam o
conteúdo aos subordinados, fazendo com que o conhecimento atingisse
todos os militares que participariam da MINUSTAH.
Passado
esse primeiro período de uso da força no Haiti (2004 a 2007), o
CIOPaz teve que adequar sua sistemática de treinamento, adaptando-se
às constantes mudanças que a missão trazia para o emprego das
tropas brasileiras. Na busca da realização de exercícios com o
máximo de realismo possível, alguns militares do Centro faziam
reconhecimentos no Haiti, a fim de acompanharem a mudança do ritmo
da missão e os novos desafios encontrados. Em
3 de dezembro de 2008, por meio da Portaria do Comandante do Exército
Brasileiro n.º 949, o CIOPaz recebeu sua designação histórica,
passando a denominar-se "Centro Sergio Vieira de Mello", em
homenagem a esse ilustre brasileiro, que trabalhou na Organização
das Nações Unidas (ONU) por mais de 34 anos.
A relevância dos
serviços desse Alto Comissário em prol da ONU tornou seu nome
referência na área internacional, por ser exímio administrador de
litígios, o que o credenciou para missões complexas que envolviam,
entre outras, a reconstrução de países devastados por conflitos
armados. Em
12 de janeiro de 2010, o Haiti foi arrasado por um terremoto de
grandes proporções. Do mesmo modo, a MINUSTAH sofreu um duro golpe.
Em um país que já sofria com a grave crise política e econômica,
a catástrofe comprometeu ainda mais o desenvolvimento daquela nação.
Em consequência, o Brasil enviou outro batalhão para a MINUSTAH. O
BRABAT 2, como ficou conhecido, realizou treinamentos no CIOPaz antes
de seu desdobramento, para que estivesse pronto a enfrentar o cenário
caótico do Haiti pós-terremoto.
Em
15 de junho de 2010, em virtude da necessidade de treinamento
integrado entre as três Forças Singulares (Marinha, Exército e
Força Aérea), o CIOPaz teve a denominação alterada para Centro
Conjunto de Operações de Paz do Brasil (CCOPAB), mantendo sua
subordinação ao Exército, mas passando a ser vinculado ao
Ministério da Defesa. Dessa forma, a Organização Militar passou a
ter integrantes das três Forças Armadas e ampliou sua atuação
junto a outros órgãos e instituições governamentais. Entre
2010 e 2012, o CCOPAB passou a preparar dois Batalhões de Infantaria
e uma Companhia de Engenharia para ser desdobrados no Haiti, no
intuito de orientar as Unidades para proverem assistência
humanitária àquela população.
O trabalho exigiu capacidade
intelectual e logística do Centro, levando-se em conta o aumento das
atividades e o efetivo reduzido. Do mesmo modo, a evolução do
cenário da missão permitiu um enriquecimento doutrinário,
garantindo a excelência das atividades no terreno e a consonância
com as demandas das Nações Unidas. Em
2013, a MINUSTAH começou a reduzir seu efetivo. Mais uma vez, o
CCOPAB teve que se adaptar às novas demandas, que tinham caráter
assistencial, mas sem deixar as técnicas de combate para trás. O
contingente brasileiro sofreu a redução de um batalhão, o que
permitiu maior flexibilidade ao Centro para fornecer o adequado
preparo à tropa.
A
partir de 2014, o Batalhão Brasileiro de Força de Paz no Haiti
passou a ocupar uma área de responsabilidade maior, sendo empregado
em missões para as quais ele não era comumente designado, como a
Força de Reação Rápida (QRF, sigla em inglês). A mudança fez
com que o CCOPAB alterasse a sua maneira de conduzir o preparo do
contingente militar, adequando-se à nova realidade, a fim de
garantir a melhor formação do Soldado da Paz.
Atualmente,
o ciclo de preparo dos contingentes brasileiros para missões de paz
é composto pelos seguintes estágios: Preparação para Comandantes
e Estado-Maior; Preparação para Comandantes de Subunidade e
Pelotão; Coordenação Civil-Militar; Logística e Reembolso;
Tradutores e Intérpretes Militares; Básico e Avançado para
Operações de Paz. Essa estrutura ocorre em um período aproximado
de quatro meses e tem se mostrado eficiente, de acordo com os
resultados obtidos na MINUSTAH.
Passados
13 anos da entrada do Brasil na MINUSTAH e após mais de uma década
da participação do CCOPAB no preparo das tropas brasileiras
desdobradas na Missão, percebe-se que houve evolução na
mentalidade das Forças Armadas e na capacitação dos militares.
Essa transformação tem participação significativa do CCOPAB e dos
próprios militares, homens e mulheres que se dispuseram a ajudar na
preparação dos contingentes seguintes.
Com
a aproximação do término da Missão das Nações Unidas para a
Estabilização no Haiti, cultivamos a história vivida, desde 2004,
na bem-sucedida Missão de Paz. Os próximos desafios serão ainda
mais complexos e com peculiaridades que apenas o tempo será capaz de
mostrar. Entretanto, enquanto houver a necessidade de realizar o
preparo de tropas com excelência e de mostrar o real valor do
soldado brasileiro, o Centro Conjunto de Operações de Paz do Brasil
estará presente.
FONTE: EBlog
Nota da Redação O Autor do Artigo, o Srº José
Renato Gama de Mello Serrano é Oficial
do Exército Brasileiro e Assessor
da Divisão da Doutrina do Centro Conjunto de Operações de Paz do
Brasil.
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