segunda-feira, 4 de julho de 2016

Breves Reflexões sobre o Direito Internacional e as Minas Antipessoais

Henry Dunant em Solferino
Por: Wesley Vannuchi
Em junho de 1859, Henri Dunant¹ foi testemunha das trágicas consequências advindas da Batalha de Solferino, ocorrida ao norte da Itália. Em seu livro “Lembranças de Solferino”, em 1862, Dunant relatou sua experiência ao presenciar a falta de condições básicas de saúde para atenuar o sofrimento dos soldados. Propôs, então, a criação de um corpo de voluntários, para atender os feridos em combate, bem como o estabelecimento de tratados internacionais que protegessem esses voluntários. O Comitê Internacional da Cruz Vermelha surge dos anseios de Dunant e, desde aquele tempo, as convenções e os protocolos têm permitido ampliar a proteção humanitária e a assistência às vítimas de conflitos armados.


Nesse contexto, o emprego de minas antipessoais vem sendo fortemente regulamentado, já que o seu uso indiscriminado tem deixado um rastro de sofrimento e de perdas humanas. As minas são consideradas armas de efeito pós-conflito, em virtude do seu poder de letalidade perdurar após o encerramento das hostilidades, impactando os aspectos socioeconômicos, inviabilizando o uso de áreas contaminadas e causando ferimentos e mortes. Esse fato ocorre, principalmente, quando os envolvidos pelo seu emprego não seguem a doutrina estabelecida pelos exércitos regulares com relação à sinalização, ao registro e à posterior limpeza (destruição) dos campos minados.

As minas possuem um princípio de acionamento muito elementar. A detonação ocorre, na grande maioria dos casos, quando é pressionada por um corpo externo, que pode ser uma pessoa (combatente, não combatente, adulto, criança, homem ou mulher), um animal ou um veículo. O peso necessário para o acionamento varia imensamente: algumas são acionadas com apenas 2 kg, enquanto outras necessitam de 25 kg. Em virtude de sua característica de funcionamento, o uso de minas contraria alguns princípios básicos do direito internacional, a saber:
Distinção: O seu acionamento mecânico não permite distinguir os combatentes dos não combatentes, adultos ou crianças. De acordo com o “Relatório Landmine Monitor 2015”, 88% dos acidentes com minas envolveram civis e 39% dos acidentados eram crianças.
Proporcionalidade: As minas são artefatos passivos. Seu acionamento depende da ação externa, não havendo maneira de controlar a carga explosiva após o início da cadeia de acionamento. O impacto da explosão pode causar ferimentos e mortes, bem como danos materiais.
Humanidade: O acidente com minas está intrinsecamente ligado ao sofrimento humano. Tanto os civis quanto os militares sofrem as consequências, quando atingidos por uma explosão.

O Protocolo II da Convenção das Nações Unidas sobre a Proibição ou a Limitação do Uso de Certas Armas Convencionais de 1980, emendado em 1996; e a Convenção sobre a Proibição do Uso, do Armazenamento, da Produção e da Transferência de Minas Antipessoais, tão bem como a sua Destruição, mais conhecida como Tratado de Ottawa, de 1997, são os instrumentos jurídicos que buscam limitar o emprego indiscriminado de minas antipessoais. Após quase vinte anos da vigência desse Tratado, 162 países aderiram; 34 ainda não. O Tratado é muito transparente e ativo sobre as práticas a serem executadas pelos Estados-membros na contribuição para a erradicação das minas.

Na atual conjuntura, torna-se necessário observar, também, que outros atores não-estatais devem ser inseridos no contexto da erradicação das minas. São grupos rebeldes que exercem interferência nos conflitos armados, em um ou mais países, como parte de sua índole política, ideológica e/ou religiosa. Esses atores não apresentam, necessariamente, qualquer vinculação com o país onde atuam, podendo estar presentes em mais de um, e não possuem compromisso com os instrumentos jurídicos internacionais relacionados ao emprego de minas. Como exemplo, cita-se a atuação do Estado Islâmico (EI) no Iraque e na Síria.

Recentemente, a imprensa noticiou que militares russos haviam desminado a cidade de Palmira, na Síria, dominada pelo EI. Tal fato representa apenas a ponta do iceberg, já que inúmeros outros grupos rebeldes possuem liberdade de ação para lançar minas ou artefatos explosivos improvisados de forma indiscriminada e irresponsável, mais notadamente nos seguintes países: Afeganistão, Colômbia, Líbia, Mianmar, Paquistão, Síria e Iêmen. Finalmente, verifica-se que as normas vigentes do Direito Internacional, relacionadas com o emprego de minas antipessoais, não possuem alcance suficiente para inibir o seu uso por parte de grupos rebeldes, favorecidos, na maioria das vezes, pela falência governamental. Dessa forma, a inação jurídica dos Estados envolvidos contribui para a disseminação descontrolada das minas, impactando negativamente nas estatísticas e dificultando, cada vez mais, o fim desse flagelo humano.
Nota do Autor: ¹ Jean-Henri Dunant (1828 - 1910): filantropo suíço, co-fundador da Cruz Vermelha Internacional.






Nota da Redação: O Autor é Coronel da Arma de Engenharia, e atualmente encontra-se a serviço no Ministério da Defesa.





FONTE: EBlog.eb.mil.br

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