quinta-feira, 5 de maio de 2016

Operação Crossroads: Expedição científica encontra o porta-aviões utilizado nos testes nucleares de 1946

Vista Aérea de um teste nuclear no Atol de Bikini

Por: Redação OD 
A imagem era surrealista. Porta-aviões destroyers (navios de guerra) repletos de cabras, porcos e ratos flutuavam nas paradisíacas águas do atol de Bikini, no oceano Pacífico, em julho de 1946. O Governo dos EUA havia expulsado os 167 nativos das ilhas para bombardeá-las com duas armas nucleares de 20 quilotons cada uma – superiores, portanto, ao artefato de 15 quilotons detonado em Hiroshima. Em 1o. de julho, os militares lançaram em Bikini a bomba Gilda, com a imagem gravada da personagem homônima interpretada por Rita Hayworth no cinema. O anúncio do filme, que estreou naquele mesmo ano, proclamava: “Bela, mortal... usando todas as armas de uma mulher”. Em 25 de julho, atiraram a segunda, batizada Helena de Bikini, numa alusão a Helena de Troia, a mulher que fez tantos heróis da mitologia grega sucumbirem. 

Militares observam o ‘USS Independence’ após a detonação de 1o. de julho de 1946. 

Ambas as bombas geraram colunas radiativas de água e coral pulverizado que banharam os assustados animais nas embarcações. Os que não morreram torrados pelas explosões foram fulminados nos dias seguintes pelas fortes doses de radiação ionizante.A chamada Operação Crossroads envolveu uma frota de 242 navios, 42.000 pessoas, 156 aviões e mais de 5.000 animais, com o objetivo oficial de estudar os efeitos de um ataque nuclear, mas com o desejo oculto de mostrar força à União Soviética depois do fim da Segunda Guerra Mundial. Quase 100 navios, muitos deles capturados dos alemães e japoneses, foram bombardeados com a quarta e a quinta bombas atômicas da história, depois da do teste Trinity em Alamogordo (EUA) e das de Hiroshima e Nagasaki. E um daqueles navios de Bikini, o porta-aviões USS Independence, afundado a 830 metros de profundidade, ressuscita agora graças a uma expedição científica.

“É a primeira vez que se estuda em águas profundas um fragmento da Operação Crossroads”, diz o arqueólogo marinho James Delgado, chefe da expedição. Esse cientista da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos EUA é um caçador de naufrágios. Encontrou o Carpathia, que resgatou os sobreviventes do Titanic; oMary Celeste, um bergantim fantasma que foi encontrado navegando sem tripulação em 1872; e o Maud, empregado no Ártico pelo explorador norueguês Roald Amundsen. Em março de 2015, graças a um submarino cedido pela companhia Boeing, Delgado e sua equipe descobriram os restos do USS Independence nas águas do refúgio marinho da baía de Monterrey, na costa da Califórnia. Agora, a revista especializada Journal of Maritime Archaeology publica a autopsia do porta-aviões e os documentos, finalmente liberados de sigilo, que detalham seu papel nos primórdios da Guerra Fria.
Militares observam o teste nuclear Able, em 1o. de julho de 1946, no atol de Bikini. 

O barco ainda exibe sinais dos testes nucleares em Bikini. A primeira explosão, uma atmosférica a 600 metros de distância, varreu sua coberta, seus aviões, suas cabras, seus porcos e seus ratos. Os torpedos armazenados na popa explodiram. De maneira irresponsável, os chefes militares enviaram pouco depois jovens soldados, alguns de 18 anos, ao USS Independence e aos demais navios radiativos para reporem os animais e os equipamentos destruídos. A segunda bomba, submarina e a 1.300 metros do porta-aviões, acabou de transformar o casco de navio em uma casca de ovo flutuante. “Os efeitos da radiação mataram a maioria dos animais em todos os navios”, afirma Delgado. Os testes serviram para confirmar, se havia dúvidas, que um ataque atômico seria letal para a frota norte-americana. As tétricas gravações da operação, incluídas no documentário norte-americano Radio Bikini (1988), mostram cabras em carne viva tentando comer palha após sobreviver ao cogumelo nuclear.
Porta Aviões USS Independence, sendo preparado para o teste nuclear.

Depois da Operação Crossroads, alguns dos navios que não afundaram, como o USS Independence, foram rebocados até San Francisco para que os efeitos das bombas fossem estudados detalhadamente e medidas de descontaminação fossem testadas. Ao chegar ao porto, a radiação do porta-aviões alcançava os 60 milirrem a cada 24 horas, quando a dose normal que uma pessoa recebe é de 620 milirrem ao ano, por fontes naturais e exames médicas. A embarcação serviu de plataforma para a escola de descontaminação radiológica da Marinha dos EUA, mas um dos seus documentos confidenciais de 1949 recomendou seu afundamento, porque o custo de eliminar os poluentes “superaria o valor da sucata do navio”. Em 1951, o USS Independence, finalmente aproveitado como armazém de lixo radiativo, foi afundado em um lugar secreto e a suficiente profundidade para não estar ao alcance dos espiões soviéticos. Outros 85 navios radiativos da Operação Crossroads haviam sido lançados antes ao fundo do oceano. E lá permanece a frota fantasma que deu o tiro de largada da Guerra Fria.
FONTE: ElPaís.com

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