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Documentos
de quase um século atrás são encontrados enterrados no quartel do
Exército, em Caxias do Sul
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Por: Redação OD
Talvez
por não achar relevante, o coronel José Pena de Moraes, então
intendente de Caxias do Sul (equivalente a prefeito), deixou de
registrar nos relatórios anuais sobre o desenvolvimento da cidade
uma solenidade na qual ele mesmo participou no dia 3 de abril de
1922. Ao lado do então ministro da Guerra do Brasil, Pandiá
Calógeras, e do lendário marechal e sertanista Cândido Rondon, o
intendente lançou a pedra fundamental de construção do quartel do
Exército, local que hoje conhecemos como a sede do 3.º Grupo de
Artilharia Antiaérea (3.º GAAAe), no bairro Rio Branco. Para
marcar este momento, as lideranças guardaram a ata da solenidade,
alguns jornais da época e quatro moedas dentro de uma urna de metal
lacrada. A pequena caixa foi escondida sob o marco inicial das obras
para a posteridade, mas o tempo tratou de apagar da memória aquele
simbólico momento que consolidava a presença do Exército em
Caxias.
Esse passado permaneceu intocado até a semana passada e
ressurgiu graças à curiosidade de dois militares do 3º GAAAe. Muitos
oficiais e soldados sabiam da existência de uma cápsula do tempo,
mas a localização dela era incerta. Entre as pilhas de papeis que
abarrotam a mesa do cabo Glauber Tiago Dal Paz, responsável por
resgatar o histórico do centenário da instituição militar na
cidade, havia um livro de Alvino Brugalli, falecido escritor e
militar da reserva de Caxias do Sul. O capitão Felipe de
Freitas Faulstich folheou o material e descobriu uma indicação
sobre o ponto onde a cápsula havia sido enterrada: um marco de
concreto instalado logo após a entrada do quartel. Fomos
até esse marco e batemos na pedra. Sentimos que uma parte era oca, só não sabíamos realmente o que havia dentro, conta o capitão
Faulstich. Assim, no
dia 12 de julho, o comandante do 3º GAAAe, coronel Leandro Fernandes
Moraes, determinou a abertura do marco e os militares enfim acharam a
urna lacrada havia 96 anos.
A pequena caixa de metal, que estava
chumbada, foi aberta no próprio quartel. Os militares encontraram um
exemplar do antigo jornal O Brasil, periódico publicado de 1909 a
1924 em Caxias do Sul, e um exemplar do jornal a Federação, que
circulou no Rio Grande do Sul de 1884 a 1937. As duas publicações
eram do dia 1º de abril de 1922. Além disso, haviam quatro moedas
de réis, vigente na época, e um relatório da construtora de
Santos, contratada para executar a construção do quartel e ata de
início da obra com diversas assinaturas. Foi
emocionante poder ver algo verdadeiro de pessoas que deixaram
informações sobre a participação da criação do quartel. É
incrível — diz o capitão Faulstich. Após
passar por higienização e recuperação, a urna e o conteúdo serão
expostos na Sala Coronel Arcy da Rocha Nóbrega, que concentra a
memória do 3º GAAAe. Os militares não descartam enterrar uma nova
cápsula do tempo para marcar os 100 anos do Exército em Caxias.
Jornal
registrou o ato em abril de 1922
O
conteúdo dos documentos e jornais guardados na urna ainda não foram
analisados. No momento, o principal objetivo é evitar a destruição
do material, que está parcialmente deteriorado por conta da ação
do tempo e da umidade. Alguns papéis apodrecidos impedem a leitura.
O 3º GAAAe está em tratativas com a Universidade de Caxias do Sul
(UCS) para recuperar o material. Na tarde de terça-feira, os
documentos históricos foram analisados de forma preliminar pela
restauradora Angela Bertuol, que integra o Instituto Memória
Histórica e Cultural da UCS. Dá
para recuperar a informação que não está perdida totalmente. A
princípio, é possível fazer uma boa higienização —
avalia Angela. O
cabo Dal Paz, que está empolgado em desvendar o conteúdo, desconfia
que os documentos trazem os detalhes dos acontecimentos que marcaram
o início das obras no dia 3 abril de 1922, como já indicavam as
publicações da época. Segundo consta na reportagem veiculada no
dia 8 de abril daquele ano pelo jornal O Brasil (foto abaixo),
diversas atividades antecederam o lançamento da cápsula do tempo.
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Jornal de 1922 registrou momento em que caixa foi guardada no terreno do 3º GAAAeFoto: Reprodução / Centro de Memória da Câmara de Vereadores |
A
comitiva do ministro Calógeras e do marechal Rondon, que também
tinha como integrante o famoso empresário Roberto Cochrane Simonsen,
havia passado por fábricas da cidade. Numa das visitas, as
autoridades foram recebidas por Abramo Eberle. Da
metalúrgica Eberle, o grupo seguiu para o Rio Branco, onde ocorreu a
cerimônia de lançamento das obras do quartel. Ao som do hino
nacional, a urna foi enterrada com o auxílio de uma pá de prata
especialmente fabricada para aquele momento. Ao final, Pena de Moraes
saudou o ministro da Guerra com uma taça de champanhe, segundo a
reportagem. O quartel só seria inaugurado em 1923, momento que o
intendente fez questão de registrar no relatório oficial da
administração pública de Caxias do Sul. Os
jornais colocados ali foram escolhidos com propósito especial.
Anunciavam a visita das autoridades, ou seja, trata-se de uma prova
do que que aconteceu realmente — diz o cabo Dal Paz, formado
em História. Dal
Paz está produzindo um livro para contar a história do centenário
do Exército na cidade. A publicação deve ser lançada em 2019.
Origem
passa por clube de tiro
A
localização da cápsula do tempo ocorre num momento especial para o
Exército em Caxias do Sul. Nesta semana, a instituição comemora os
100 anos de instalação na cidade e os 68 anos de abertura do 3º
GAAAe, local por onde já passaram milhares de jovens da região e de
outras parte do Estado e do país. A história da instituição
federal na cidade começa em 1918, com a incorporação de um clube
de tiro. A unidade, que passou a ser chamada de Tiro de Guerra nº
248, era formada por moradores conhecidos de Caxias do Sul, entre
eles José Pena de Moraes e o professor Apolinário Alves dos
Santos. A
sociedade quis vincular o Tiro ao Exército com o propósito de
adestrar o uso de armas e também para fornecer efetivo na época —
diz o comandante do 3º GAAAe, coronel Leandro Fernandes Moraes. Aberto
na área central da cidade, o Tiro de Guerra passou a ser usado para
treinamentos e funcionou até meados de 1945, quando foi desativado.
Antes disso, o quartel no bairro Rio Branco já havia sido ocupado
pelo 9º Batalhão de Caçadores em 1927, unidade que forneceu
pracinhas para a Segunda Guerra Mundial na Europa e foi extinta em
1949. Em 1950, o quartel da Rio Branco virou sede do 1º Grupo do
Regimento de Artilharia Antiaérea, hoje 3º GAAAe.
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Comandante do 3º GAAAe, coronel Leandro Fernandes Moraes mostra memorial para onde cápsula do tempo deve ser exposta |
Com isso, a
cidade atingiu um novo patamar, pois passou a treinar militares em
táticas para a derrubada de aviões com uso armas pesadas em apoio à
Força Aérea Brasileira. Desde
sempre, o 3º GAAAe foi referência para famílias interessadas em
garantir uma educação aos filhos. Se antes eram os pais que
obrigavam os filhos a servir o Exército, hoje são os jovens que
escolhem a opção por conta própria. Segundo o coronel Moraes, de
3,5 mil jovens que fizeram alistamento em 2017, mais de 2 mil
demonstraram interesse de ingressar nas Forças Armadas de forma
voluntária. Como o quadro é limitado, pouco mais de 200 ingressaram
no 3º GAAAe, entre eles Natã Molina da Fontoura, 19. O jovem é
aspirante do Núcleo de Preparação de Oficiais da Reserva (NPOR) e
atualmente é o número 1 do grupo (aquele que mais se destaca), "Aprendi
o significado da disciplina, que é fazer coisas corretas mesmo
quando não se tem vontade e mesmo quando ninguém olha, orgulha-se". Atualmente,
o 3º GAAAe é composto por 452 militares. Aqui,
nós pegamos jovens que trazem os atributos de casa e moldamos as
virtudes — resume o comandante do 3º GAAAe.
Programação
O
3º GAAAe promove festejos em alusão aos 100 anos do Exército na
cidade. Confira:
-
Quarta-feira, 10h: instalação
de obelisco, marco do centenário, na Praça Dante Alighieri.
-
Quarta-feira, às 15h:
cultos religiosos no 3º GAAAe.
-
Quinta-feira, às 19h:
sessão solene na Câmara de Vereadores de Caxias do Sul.
-
Sábado, às 16h: apresentação
da banda militar do 19º Batalhão de Infantaria Motorizado de São
Leopoldo, no Shopping Iguatemi.
- Sábado,
das 10h às 22h, e domingo, das 11h às 22h: exposição
de canhão antiaéreo, radar, viaturas e itens de emprego militar no
Shopping Iguatemi.
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Natã Molina da Fontoura, 19 anos, é parte da nova geração de aspirantes do 3º GAAAe |
*Com informações do site O Pioneiro, / Foto: Lucas Amorellli/Agencia RBS
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