domingo, 23 de abril de 2017

General Eduardo Villas Bôas, revela em entrevista que o Exército foi sondado para decretar estado de defesa nos dias que antecederam o impeachment de Dilma Rousseff

Eduardo Dias da Costa Villas Bôas, comandante do Exército (Cristiano Mariz/VEJA)
Por: Redação OD
O comandante do Exército, General de Exército Eduardo Villas Bôas, revela em entrevista que a instituição foi sondada e rechaçou a hipótese de apoiar a decretação de estado de defesa nos dias tensos que antecederam o impeachment de Dilma. Villas Bôas não diz quais foram os políticos que fizeram a consulta, mas reconhece que as Forças Armadas ficaram “alarmadas” com a perspectiva de serem empregadas para “conter as manifestações que ocorriam contra o governo”. 

“Nós temos uma assessoria parlamentar no Congresso que defende nossos interesses, nossos projetos. Esse nosso pessoal foi sondado por políticos de esquerda sobre como nós receberíamos uma decretação do estado de defesa”, afirmoVillas Bôas. Na entrevista, o comandante do Exército também manifesta também preocupação com o “perigo” de surgir no país líderes populistas com discursos “politicamente incorretíssimos, mas que correspondem ao inconformismo das pessoas”.
O General-de-Exército Eduardo Villas Bôas é um homem habituado a lidar com adversidades. Foi comandante do 1° Batalhão de Infantaria de Selva, depois chefe do Estado-Maior do Comando Militar da Amazônia e, por fim, Comandante Militar da Amazônia. Em 2015, foi escolhido comandante do Exército Brasileiro pela então presidente Dilma Rousseff, cuja queda, como ele revela nesta entrevista, foi precedida de dias tensos também para o Exército.
Como a sociedade brasileira vê o Exército hoje?
Como uma instituição extremamente confiável e que cumpre as tarefas para as quais é chamada. O índice de credibilidade do Exército bate nos 80%. O desafio agora é fazer com que as elites que tomam as decisões tenham a compreensão da importância de investir nas Forças Armadas. Num pais com tantas desigualdades como o Brasil, a Defesa não é valorizada porque a população não tem nenhuma percepção de ameaça externa. Mas, além de zelar pela integridade e soberania do país, a Defesa tem o papel de guardar elementos da nacionalidade e ser indutora da economia. Na França, 17% da economia é induzida pela Defesa. Nos Estados Unidos, esse dado é ainda maior. É possível que se tenha essa compreensão aqui no Brasil. 
"Pronto para o futuro" é o slogan da Semana do Exército. O senhor acha que a instituição está pronta também para avaliar o passado, o golpe de 64? 
As gerações que viveram aquele período ainda são atores no cenário atual. E isso não permite ter total isenção para avaliar aqueles fatos na dimensão correta. Hoje, em geral, não se leva em conta que vivíamos um período de guerra fria. Tínhamos China, Cuba e União Soviética exportando a revolução comunista. A estrutura de repressão foi criada como reação aos movimentos terroristas. Ela já existia antes mesmo do movimento de 64, um período em que se cometeram erros. Estudamos e debatemos essa fase para avaliar o que foi feito de correto e o que não foi. São ensinamentos importantes inclusive para agora.
No período mais tumultuado pré-impeachment, falou-se que a presidente Dilma chegou a pedir um estudo sobre a possibilidade de decretar no Brasil o Estado de Defesa. O que isso tem de verdade? 
Esse episódio realmente aconteceu. Mas eu acredito que não nesses termos. Nós temos uma assessoria parlamentar no Congresso que defende nossos interesses, nossos projetos. Esse nosso pessoal foi sondado por políticos de esquerda sobre como nós receberíamos uma decretação do estado de defesa.
Políticos do PT? E o que vocês fizeram?
Não vou discriminar o partido. Mas isso nos alarmou. Percebemos que se poderia abrir a perspectiva de sermos empregados para conter as manifestações que ocorriam contra o governo.  Procurei o ministro da Defesa, Aldo Rebelo (PCdoB), o senador Ronaldo Caiado (DEM-GO) e o senador Aloysio Nunes (PSDB-SP). Isso de imediato provocou desmentidos, e o tema nunca mais foi tratado.
Esses parlamentares de esquerda falavam em nome do Palácio do Planalto? 
Sinceramente, eu não sei avaliar isso.
Chegou-se a fazer uma planilha com os cenários da decretação do estado de defesa e do estado de sítio?
Esse documento foi feito no Ministério da Defesa como um estudo para definir quais as condições para a decretação de Estado de Defesa ou estado de sítio e quais as consequências de cada um desses decretos. Foi um documento interno.
Foi levado ao Planalto?
Acredito que não. Foi feito no Ministério da Defesa e ficou lá. Foi um estudo para embasar as nossas posições. Não foi um planejamento.
O Planalto sabia dessa discussão?
Não sei dizer.
Qual foi a posição do senhor diante dessa ideia?
Todos com quem eu tratei desse assunto, inclusive o ministro Aldo Rebelo, tiveram a mesma compreensão que eu — de que era totalmente descabida e perigosa a decretação do Estado de Defesa.
Foi o período mais tenso do senhor no governo Dilma?
Acho que sim. Mas preciso ressaltar que tínhamos uma relação excelente com o governo. A presidente Dilma Rousseff sempre teve apreço e deferência por nós.
Não fosse esse comportamento do Exército, acha que algo pior poderia ter acontecido durante o processo de impeachment? 
É difícil dizer. As nossas atitudes foram todas preventivas. Quando a coisa começou a ficar muito instável, nós logo definimos: vamos trabalhar com base em três pilares. Primeiro, a estabilidade. Vamos contribuir para a manutenção da estabilidade e não ser um fator de instabilidade. O segundo pilar era a legalidade. Poderíamos até ser empregados, mas seria com base no que é prescrito na Constituição — por iniciativa de um dos poderes.
A nossa preocupação era que não viéssemos a ser penalizados novamente, conforme a história nos ensinou. O terceiro pilar era a legitimidade. Tínhamos de preservar uma imagem de isenção e imparcialidade porque, caso fôssemos empregados, não poderíamos ser identificados como tendentes a um ou outro lado. Trabalhamos no sentido de ser um protagonista silencioso.
O senhor ouviu muitas cobranças das pessoas naquele período? 
Ouvi palavras de inconformismo de todos os lados. Queriam saber por que não tomávamos uma providência. Eu respondia que não é papel do Exército derrubar nem fiscalizar governo. Mas eu entendo que a sociedade nos vê como um reservatório de valores ainda preservados.
O Exército tem sido chamado com frequência para agir em conflitos de segurança pública. Quão eficazes são essas operações? 
Preocupa-me a banalização do emprego das Forças Armadas. As pessoas não entendem que nossa atuação não é policial. Quando estávamos na favela da Maré, no Rio, via o nosso pessoal de capacete e colete, armado, na rua ao lado de crianças e senhoras. É terrível essa disfunção. Estamos ali com arma apontada para brasileiros? É absolutamente inadequado. 
Embora seja constitucional, é inconveniente e inadequado, além de ineficaz. Em alguns estados em que tivemos de intervir em decorrência do colapso na estrutura de segurança pública, seis meses depois de sairmos tivemos de voltar porque nenhuma medida estrutural havia sido tomada. Há estados que há doze anos não incorporam ninguém à polícia.
Como será a retirada das tropas do Haiti?
A ONU já decidiu a saída, e nós vamos retirar nossos últimos soldados em outubro, depois de treze anos lá. O que conquistamos em termos de pacificação no Haiti é uma referência na ONU, foi uma missão de extremo sucesso. Estão sendo feitos estudos para levantar outras possibilidades de emprego de tropas brasileiras como força de paz, principalmente na África e no Oriente Médio. No Líbano, por exemplo, podemos ter tropas já a partir do próximo ano. Mas isso tudo ainda está em estudo.
Que mensagem o Exército passa ao homenagear o juiz Sergio Moro na Semana do Exército?
É uma mensagem de apoio à Operação Lava-Jato. Nós entendemos que a operação é necessária e queremos que ela ande com a maior celeridade possível. O critério dessa condecoração, que é a Ordem do Mérito Militar, é de brasileiros que tenham prestado serviços relevantes ao pais ou ao Exército, e o juiz Sergio Moro é hoje um destaque.
Qual a avaliação que o senhor faz das revelações de corrupção na delação da Odebrecht?
Considero importante que se dê a celeridade possível ao julgamento dos casos, porque acho perigoso que as pessoas de bem comecem a ficar descrentes, e às vezes até descrentes da democracia. Aí você começa a abrir espaços para atalhos. O Brasil vai ter de se repactuar. E o único parâmetro universal para que se faça isso é o princípio ético e moral. O que me preocupa é que acho que não apareceu uma base de pensamento alternativa nem uma base que propicie o surgimento de uma liderança.
O surgimento de um líder populista neste momento é um risco?
Nitidamente, há um cansaço em relação ao politicamente correto. O perigo é surgir um líder falando determinadas coisas politicamente incorretíssimas, mas que correspondem ao inconformismo das pessoas. Tivemos Donald Trump nos Estados Unidos e temos alguns aqui no nosso país.
O Exército apoia o deputado Jair Bolsonaro em sua pré-candidatura à Presidência?
Não. Nós não temos ligação institucional com o Bolsonaro. Ele é um ex-integrante das Forças Armadas, tem muita relação com o pessoal do círculo dele e todo o direito de se candidatar, mas quem vai julgá-lo é a população, por intermédio do voto.
O senhor está enfrentando um grave problema de saúde e deci-diu torná-lo público. Por quê?
Fui acometido por uma doença degenerativa chamada doença do neurônio motor. Ela atingiu alguns grupos musculares. Estou com dificuldade para caminhar e com alguma dificuldade respiratória. Senti que, se não revelasse o que estava acontecendo, daria margem a mal-entendidos. Comecei a ver notícias de que eu estaria para ser exonerado ou que havia pedido para sair. Então, decidi ser transparente.
O que mudou na sua rotina com a doença?
Ela afetou minha mobilidade, isso é o pior. Mas me considero privilegiado, porque um evento desses dá outro significado à vida. Tenho descoberto nas pessoas coisas fantásticas. Minha família está muito mais unida. Os amigos que tenho, cada um deles é um anjo da guarda a me proteger. Tenho tido muita solidariedade.Aquilo de que mais sinto falta é não poder viajar, percorrer as nossas unidades, estar junto com a tropa, porque a nossa essência é essa. Vivo hoje procurando me equilibrar entre até onde vai meu dever de continuar lutando e permanecer no exercício do cargo e a partir de que momento passarei a atrapalhar. É algo muito sutil.
 FONTE: Revista Veja, Por Thaís Oyama e Robson Bonin

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