Por: Eduardo
Bittencourt Cavalcanti
A
respeito da repressão às violações das normas incriminadoras ou do cometimento
dos intitulados crimes de guerra, cabe, inicialmente, uma remissão sobre as
regras que regem a conduta dos participantes de um conflito armado. O
comportamento nesse cenário é regulado pelo Direito Internacional dos Conflitos
Armados (DICA), também denominado Direito Internacional Humanitário (DIH). Trata-se
de área do Direito Internacional dedicada à regulação do limite das
hostilidades, com uso de determinados meios e métodos, e ao resguardo de certos
bens e do zelo humanitário com pessoas protegidas, como feridos, enfermos,
prisioneiros de guerra, internados civis, populações civis, e suas
subcategorias.
O DICA
estabelece mecanismos para garantir o respeito a essas normas, reconhece a
responsabilidade individual e considera responsáveis pelas violações às regras
os próprios indivíduos que as cometeram, ou que tenham dado ordens a terceiros
para as cometerem, exigindo que esses infratores sejam punidos. Entre as
infrações estabelecidas pelo DICA, as mais graves são consideradas crimes de
guerra e seus autores são processados e julgados como
criminosos. No universo dos delitos de maior gravidade, incluem-se:
homicídio intencional, tortura, tratamentos desumanos e atos que causem,
intencionalmente, grandes sofrimentos desnecessários, conforme a previsão
contida nas Convenções de Genebra de 1949, nos seus Protocolos Adicionais de
1977, e no Artigo 8º do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional.
O Brasil
internalizou esses atos internacionais ao seu ordenamento jurídico pátrio, os
quais estão em plena vigência. Quanto à ação fiscalizatória do dever de
cumprir e fazer cumprir as disposições normativas, o Estado é o principal
garantidor do Direito Internacional dos Conflitos Armados e assume obrigações
para afastar e mitigar violações que possam ser cometidas por seus agentes; ele
também é o responsável pela ação ou omissão diante de particulares ou grupos
que realizem, sem autorização, funções "próprias de Estado" e
incorram em infrações decorrentes desse exercício. Portanto, a
fiscalização primária é do Estado, que tem a obrigação de reprimir todas as
violações ao regramento humanitário e de dar publicidade aos atos infracionais
também cometidos pela parte oponente. Aduzindo a esse dever fiscalizatório, há
a previsão no Artigo 90 do Protocolo Adicional I às Convenções de Genebra de
1949 (PA I), da constituição de uma Comissão Internacional para o Apuramento
dos Fatos.
A
Comissão é um órgão permanente, cuja função principal consiste em investigar
todos os fatos que se alega constituírem infrações graves às disposições do
DICA. É um mecanismo importante, que cuida da aplicação e do cumprimento do
regramento humanitário em tempos de conflito armado. Outra fonte de informações
sobre supostas violações às leis do Conflito Armado é o jornalismo,
considerando-o subárea das Ciências Sociais impregnada de responsabilidade
social. Em determinado instante, uma matéria jornalística se transforma em
documento relevante na busca do sancionamento das violações. Quanto ao
Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), como instituição neutra,
imparcial e independente, faz-se imperioso ressaltar sua condição de principal
promotor e divulgador do DICA no âmbito mundial.
Uma vez
que a qualidade de fiscal é incompatível com os requerimentos de neutralidade,
pode ser que não se contemple nenhuma atribuição dessa espécie ao CICV, pois
seu papel é de guardião e não de fiscal, e menos ainda de juiz. São
exemplos de violações graves ao DICA: matar ou ferir militares que tenham
deposto suas armas e que não participam mais das hostilidades; e recrutar
crianças para participar das hostilidades. A primeira condenação proferida pelo
Tribunal Penal Internacional foi anunciada na Câmara de Julgamento pelos crimes
de guerra de recrutamento e alistamento de crianças menores de 15 anos e pelo
uso delas em conflitos no Congo, nos anos de 2002 e 2003. Fica claro e
evidenciado que crimes de guerra podem ocorrer não somente em conflitos armados
internacionais (CAI), como também em conflitos armados não internacionais
(CANI). A esse respeito, há um paradoxo devido à configuração da lei penal
militar brasileira.
É
possível o cometimento de crime de guerra por agentes envolvidos em um conflito
armado não internacional de fato, contudo, a denúncia deverá ser por violação
da norma incriminadora inerente aos crimes militares em tempo de paz, diante
das condições conceituais exigidas pelo Código de Penal Militar – "Crimes
militares em tempo de guerra" (Art. 10), "Tempo de guerra" (Art.
15) e "Crime praticado em presença do inimigo" (Art. 25). Por
oportuno, merece destaque a adequada preparação das Forças Armadas como fato
gerador do efeito dissuasório desejado para inibir as práticas contrárias à
lei. O Estado brasileiro obriga-se a atuar de maneira concordante com diversas
obrigações internacionais assumidas, observando as convergências entre as
Convenções de Genebra e as disposições da Convenção Americana de Direitos
Humanos, como o direito à vida das pessoas fora de combate e o direito de não
ser submetido a torturas e tratamentos desumanos, discriminatórios, cruéis ou
degradantes.
Inevitavelmente,
o regramento humanitário e os direitos humanos incidem, cada vez mais, no amplo
espectro das operações militares, o que demanda das Forças Armadas atuação mais
cuidadosa, precisa, eficiente e eficaz na utilização da força legal para
enfrentar a violência, sob avaliação dos parâmetros de efetividade e de
controle dos organismos de supervisão e da opinião pública. Nesse
contexto, a atual "Diretriz para Integração do Direito Internacional dos
Conflitos Armados às Atividades do Exército Brasileiro" (2016) visa
estabelecer as orientações básicas, de caráter geral, para subsidiar o
planejamento e as ações de integração do DICA, em todos os níveis de ensino,
preparo e emprego do Exército Brasileiro, por meio de operadores qualificados,
fortificando a cultura de respeito aos direitos fundamentais da pessoa e aos
bens protegidos, durante o cumprimento da missão constitucional da Força
Terrestre.
O
Exército Brasileiro vem atuando por meio do aproveitamento de lições aprendidas
de países que atravessam conflitos armados e da designação de militares para
capacitação em Direito Internacional dos Conflitos Armados (DICA) e em Direito
Internacional dos Direitos Humanos (DIDH) nas nações amigas. Além disso, tem
cooperado com envio de instrutores para o International Institute of
Humanitarian Law, na Itália, e de especialistas nas consultas temáticas
promovidas pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha. Medidas
sancionatórias devem ser aplicadas, com eficácia, nos casos de desrespeito ao
DICA, para impedir que um comportamento reprovável seja tolerado ou mesmo
aceito.
As
sanções penais e disciplinares assumem a função preventiva dissuasória, a fim
de contribuir com a conscientização do dever de observar as normas e a
demonstração de que a cadeia de comando defende, com firmeza, os valores
éticos, profissionais, militares e fundamentais do DICA. A regulamentação
do uso seletivo da força exige operar sempre nos limites da lei, permitindo a
conquista de parâmetros de confiança da opinião pública. O apoio da população
às ações empreendidas pelo Exército Brasileiro, sob os contornos legais e a
ética profissional militar, faz parte do êxito operacional para se alcançar o
estado final desejado.
Fonte:
E-Blog
O Autor
do artigo, Sr.º Eduardo Bittencourt Cavalcanti, é Coronel da Arma
de Artilharia do Exército Brasileiro, no momento exerce a função de Adjunto da
Assessoria de Apoio para Assuntos Jurídicos (A2), do Gabinete do Comandante do
Exército.
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