Por: Luiz Eduardo Rocha Paiva
O
vulto assumido pelo crime organizado permite classificá-lo como
ameaça à lei, à ordem e à própria soberania nacional, pois o
Estado perdeu a autoridade em áreas, ainda que restritas, de algumas
metrópoles no País. No Rio de Janeiro, existem complexos de favelas
controlados por facções criminosas, que impõem a sua "lei",
constituindo um estado paralelo ao Estado nacional no exercício da
violência. O
emprego das Forças Armadas (FA) na segurança pública, num quadro
de garantia da lei e da ordem, tem sido contumaz. No entanto, é
apenas paliativo com efeito superficial e de curta duração, haja
vista o retorno aos níveis de violência e o controle da bandidagem
tão logo as tropas são retiradas das áreas conturbadas.
As FA não
são preparadas nem estruturadas para a segurança pública, em que
os conflitos devem obedecer a leis e regras rígidas, que limitam a
liberdade de ação para o emprego da violência com a mesma
letalidade exigida em conflitos armados na defesa da Pátria contra
um inimigo externo. As
fronteiras nacionais são um dos pontos críticos na gestão da
segurança pública, pois a extensão, a permeabilidade e a
porosidade dificultam, drasticamente, seu controle efetivo e o
bloqueio de ilícitos transnacionais. Tal dificuldade foi agravada
pelos acordos de livre comércio e pela globalização, que
facilitaram a passagem e ampliaram a circulação de cargas pelas
vias terrestres, marítimas e aéreas. Se os EUA não conseguem
evitar o maciço tráfico de drogas e a realização de outros
ilícitos nos 3 mil km de sua fronteira terrestre com o México,
contando com seus imensos recursos para esse controle, o que dizer do
Brasil. São 17 mil km de fronteiras terrestres, sendo 11 mil km em
selva, com centenas de entradas possíveis, e 6 mil km em área
humanizada, com enorme fluxo de comércio.
As
fronteiras marítimas têm 7,5 mil km com dezenas de portos que
movimentam milhares de contêineres por dia, cuja fiscalização é
extremamente difícil. O mesmo pode-se dizer da volumosa entrada de
cargas por inúmeros aeroportos oficiais. Cumpre destacar que, na
fronteira aeroespacial, aeronaves do tráfico de drogas e armas
entram no espaço aéreo, voam por dez minutos, aterrissam em algum
campo de pouso clandestino ou lançam sua carga e regressam, não
dando tempo ao controle aéreo para reagir. Portanto, é um engano
acreditar ser possível um controle tão efetivo das fronteiras a
ponto de considerá-lo a ação principal contra a criminalidade. No
Brasil, esse combate tem visado mais às consequências do que às
causas da ascensão do poder da criminalidade, que se aproveita de
gravíssimas vulnerabilidades nos campos político, social, jurídico,
policial e penal. Algumas importantes vulnerabilidades estão
listadas no quadro a seguir.
As
organizações criminosas (OC) de nível nacional (OCN) são o
Primeiro Comando da Capital (PCC), presente em todos os Estados da
Federação, e o Comando Vermelho (CV), com ampla disseminação no
território nacional. Essas facções disputam entre si o poder em
vários Estados e neles convivem ou atritam com outras organizações
criminosas de expressão local ou regional (OCR). As ações das OCN
e OCR, quando necessário, envolvem crimes violentos, de âmbito
nacional ou transnacional, como os relacionados com tráfico de
drogas, contrabando de armas, tráfico de pessoas, sequestros e
outros; lavagem de dinheiro, que inclui a gestão de negócios com
fachada de legalidade; infiltração em diversos segmentos da
sociedade, inclusive na justiça, na política e nos órgãos de
segurança pública (OSP); corrupção; cooptação; chantagem;
intimidação; controle violento de comunidades e de várias
atividades lucrativas como as de transporte.
Existem
OC do tipo "máfia", voltadas para os crimes financeiros e
sem violência, envolvendo lideranças de altos escalões, partidos
políticos e empresários. O mensalão e o petrolão são exemplos do
funcionamento dessas OC, cuja repressão deve seguir o modelo da
Operação Lava Jato. O
combate específico às OCN e OCR violentas, ponta de um profundo
iceberg, é apenas parte da solução do problema, que exige,
simultaneamente, ações estratégicas de longo prazo sobre as
vulnerabilidades listadas no quadro anterior. Tais vulnerabilidades,
como se pode deduzir, estão em diversos setores da Nação, além do
que é relativo, especificamente, à segurança pública. Esse
combate requer centralização, coordenação e integração, desde
os mais altos escalões, em um Projeto Estratégico de longo prazo,
com visão da situação desejada no futuro e os objetivos e as metas
sucessivas.
A
seguir, são sugeridas algumas medidas de combate às OCN e OCR, que
não esgotam o rol das necessárias:
- endurecer a lei
sobre Organização Criminosa, tornando a justiça ágil e mais
rigorosa;
- emprego de forças-tarefa de composição mista
(Jurídico, Inteligência e Operações) por Estados ou Regiões, com
foco nas OCN e OCR, e não na bandidagem isolada; utilização da
prisão preventiva aos enquadrados na lei e fim do foro especial;
-
líderes e membros de maior periculosidade recolhidos em presídios
especiais de segurança máxima, separados entre si e executando
trabalhos rigorosos;
- controle rigoroso das visitas, inclusive
de advogados, e das ligações entre esses presos e o exterior das
cadeias, impedindo efetivamente o uso de meios eletrônicos;
-
os alvos seriam as lideranças, as estruturas de gestão das OC e o
seu braço armado; e
- as ações de inteligência
buscariam identificar e localizar as lideranças e os apoios
logístico, financeiro e político, enquanto as operações
decorrentes seriam realizadas por forças-tarefa dos OSP e dos grupos
especiais das Forças Armadas, quando necessário, ou pelo emprego de
tropa em operações de grande envergadura.
A situação é gravíssima e sua deterioração poderá resultar num quadro semelhante ao de guerra civil, em que a perda da autoridade e da soberania interna pelo Estado traria, como consequência, grande risco para a unidade nacional. A Nação tem que ser conscientizada de que o combate à criminalidade será de longo prazo e implicará o emprego da violência com efeitos colaterais e, eventualmente, com restrições à liberdade individual. Em
curto prazo, poderá ser uma questão de vida ou de morte para o
Brasil!
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Nota da Redação: Artigo de autoria do Sr° Luiz Eduardo Rocha Paiva, o qual é General-de-brigada do Exército Brasileiro, extraído do site Eblog. Declarado Aspirante a Oficial da Arma
de Infantaria em 15/ 12/ 1973, na Academia Militar das Agulhas Negras
e promovido a General-de-Brigada em 31/ 03/ 2003. Passou à reserva
remunerada em 31/ 07/ 2007, quando era Secretário-Geral do
Exército. Possui doutorado em Aplicações, Planejamento e
Estudos Militares na Escola de Comando e Estado–Maior do Exército
(ECEME – RJ) – 1988/1989.Mestrado em Aplicações Militares na
Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (ESAO – RJ) – 1982; Pós
Graduação Lato Sensu em Política, Estratégia e Alta Administração
Militar – Especialização, com ênfase em Estratégia, na ECEME –
RJ – 2000; Pós Graduação Lato Sensu MBA Executivo do Exército
Brasileiro – Especialização, na FGV – RJ – 2000; Graduação
em Aplicações Militares na Academia Militar das Agulhas Negras
(AMAN –RJ) – 1970/1973; estagiou na 101ª Air Assault Division,
do Exército dos EUA, onde fez o curso de operações aeromóveis na
Air Assault School; foi Observador Militar das Nações Unidas em El
Salvador – América Central e fez o Curso de Estado-Maior na Escola
Superior de Guerra do Exército Argentino.
Comandou o 5º Batalhão
de Infantaria Leve (Regimento Itororó), em Lorena – SP, quando
cumpriu missão de pacificação em conflito entre o MST e
fazendeiros no sul do Pará, em 1998. Como oficial-general foi Chefe
da Assessoria Especial do Gabinete do Comandante do Exército,
encarregada de implantar o Programa Excelência Gerencial do
Exército, comandou a Escola de Comando e Estado - Maior do Exército
e foi Secretário -Geral do Exército. É Professor Emérito da
Escola de Comando e Estado - Maior do Exército, membro da Academia
de História Militar Terrestre do Brasil e colaborador do Centro de
Estudos Estratégicos do Exército. Recebeu diversas condecorações
e medalhas nacionais e estrangeiras e tem publicado artigos sobre
temas políticos e estratégicos, em jornais e revistas nacionais e
estrangeiras, desde que passou para a reserva em 2007.
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