O NDCC Almirante Sabóia da MB apoiou as tropas militares no Haiti, durante o terremoto de 2010. (Foto: Capitão-Tenente do Corpo de Fuzileiros Navais do Brasil Raphael do Couto Pereira) |
Por: CT (FN) Raphael do Couto Pereira e CF (FN) Carlos Eduardo Gonçalves da Silva
A
atuação de tropas militares se faz necessária em ações
diretamente relacionadas à ajuda humanitária, especialmente quando
a presença de agências dedicadas a este tipo de atividade é
inexistente ou insuficiente, ou quando o acesso às populações mais
afetadas se torna extremamente difícil. Nos últimos anos, tem sido
notória a participação de tropas brasileiras, já deslocadas para
operações de paz, em operações humanitárias. O
emprego de militares neste contexto exige grande flexibilidade, pois
passarão a desempenhar tarefas adicionais que, em muitos casos,
originalmente não faziam parte da missão.
O preparo das tropas
envolvidas é indispensável para o cumprimento desta multiplicidade
de tarefas. Assim, a Marinha do Brasil (MB) em muito contribui com o
emprego do seu Corpo de Fuzileiros Navais (CFN), uma tropa anfíbia,
expedicionária por natureza, integralmente profissional e, por
conseguinte, com alto grau de comprometimento. Os
Grupamentos Operativos de Fuzileiros Navais (GptOpFuzNav) podem ser
empregados em diversos cenários, incluindo os de assistência
humanitária.
Eles representam um modelo organizacional versátil que
combina, de forma modular, meios de combate, de apoio ao combate e de
apoio de serviços ao combate, terrestres ou aéreos, quando
integrados ao denominado “conjugado anfíbio” – genericamente
entendido como o conjunto de meios navais, aeronavais e de fuzileiros
navais prontos para cumprir missões relacionadas à projeção do
poder sobre terra. Seus integrantes são submetidos a um extenuante
processo de preparação e seleção em todas as fases da carreira,
por meio de cursos e concursos internos que visam a preservar na
instituição os melhores recursos humanos.
Contexto
jurídico
A
minuta da Política Nacional de Defesa do Brasil, encaminhada para
apreciação do Congresso Nacional em novembro de 2016, destaca os
impactos da mudança climática no planeta, que poderão acarretar
graves consequências ambientais, sociais, econômicas e políticas,
exigindo maior capacidade estatal de agir. Nesse contexto, a demanda
por ajuda humanitária e por operações de paz tende a acentuar-se,
de sorte que o Brasil poderá ser impelido a incrementar sua
participação nestes tipos de missões.
Concomitantemente,
a minuta da Estratégia Nacional de Defesa destaca que,
adicionalmente às atribuições constitucionais, as três forças
armadas brasileiras deverão ter condições de atuar, de forma
singular ou conjunta, em operações internacionais, quer de caráter
expedicionário, de operações de paz ou de ajuda humanitária, para
atender a compromissos assumidos pelo país ou para salvaguardar os
interesses brasileiros no exterior e, desta forma, contribuir com os
objetivos da política externa exercida pelo Brasil.
Em
consonância com esses dois documentos, a Doutrina Básica da Marinha
do Brasil (DBM) estabelece os princípios, conceitos e, de forma
ampla, os métodos de emprego em combate, ou em outras participações
não relacionadas à atividade-fim, com o propósito de orientar a
organização, o preparo e o emprego do poder naval brasileiro. Recentemente
a DBM foi atualizada e previu uma nova modalidade de operação
anfíbia, denominada Projeção Anfíbia. Utiliza-se das capacidades
intrínsecas do conjugado anfíbio para introduzir em área de
interesse, a partir do mar, meios para cumprir tarefas diversas,
relacionadas, dentre outras contingências, à prevenção de
conflitos e à distensão de crises.
É, também, apropriada para a
condução de atividades tais como operação de evacuação de não
combatentes, resposta a desastres ambientais e operação
humanitária, de acordo com a DBM de 2014. Uma
característica marcante das operações humanitárias consiste em
sua limitação no tempo e na área de atuação, mas o esforço
logístico requerido para fazê-las torna-se preponderante sobre as
demais atividades de combate. Ou seja, o planejamento e a execução
dos planos devem priorizar os meios que minimizarão os problemas
enfrentados pela população que sofre os efeitos da tragédia.
Assim, as operações humanitárias se equivalem a uma grande
operação logística. Os hospitais de campanha, os navios-hospitais
e a evacuação aeromédica (EVAM) são alguns exemplos de como a MB,
valendo-se da medicina operativa, pode contribuir para salvar vidas.
Haiti
Todo
arcabouço doutrinário, que baliza as atividades e operações da MB
relacionadas ao tema em lide, foi posto à prova em uma das maiores
catástrofes naturais já observadas nas Américas: o terremoto de
2010, no Haiti. Na ocasião, a MB desempenhou um papel desafiador e
decisivo na condução da operação humanitária que se seguiu à
catástrofe, na qual ficaram evidenciadas as características do
Poder Naval: mobilidade, permanência, flexibilidade e versatilidade. Como
pronta resposta, o Ministério da Defesa do Brasil determinou que a
MB designasse um de seus meios, com grandes capacidades de carga e
anfíbia, para prover ressuprimento ao Batalhão Brasileiro de Força
de Paz e ao Hospital de Campanha da Força Aérea Brasileira (FAB) no
Haiti, incluindo a devida ajuda humanitária.
Desta
forma, foi prontificado, inicialmente, o Navio de Desembarque de
Carros de Combate (NDCC) Almirante Sabóia que já estava designado
para participar da Operação HAITI-VIII, programada para o
transporte do rotineiro ressuprimento para a tropa, sendo assim
antecipada de maio para o início de fevereiro. Em duas viagens, o
NDCC Almirante Sabóia e o NDCC Garcia D’Ávila transportaram
aproximadamente 1.088 toneladas de carga para a tropa (viaturas,
geradores, alimentos etc.) e 1.022 toneladas de carga para ajuda
humanitária (colchões, material de higiene, gêneros alimentícios
etc.).
A
extensão das linhas de comunicação marítimas percorridas durante
toda a operação humanitária tornou-se um desafio ímpar.
Adicionalmente, as precárias condições portuárias em Porto
Príncipe, imediatamente após o terremoto, indicavam a necessidade
de desembarque de material em praias haitianas. Com isso, ficou
evidenciada a necessidade de navios com capacidade anfíbia, o que
nenhum navio mercante podia proporcionar. A existência de meios
aprestados foi igualmente um fator fundamental para fazer frente à
situação emergencial apresentada. Caso a MB não dispusesse do
Almirante Sabóia e do Garcia D’Ávila, em condições de pronto
emprego, dificilmente a resposta se daria de forma tão imediata,
eficiente e eficaz.
Outra
importante contribuição da MB para a operação humanitária em
tela foi o emprego conjunto de uma missão humanitária que contou
com helicópteros da MB para EVAM e de uma missão médica mista de
militares da MB e de servidores civis do Ministério da Saúde do
Brasil, a bordo do navio de múltiplo emprego logístico Cavour, da
Marinha da Itália. Na ocasião, embarcou no navio italiano, em 28 de
janeiro de 2010, no Porto de Fortaleza, uma equipe de 63 militares da
MB composta por seis médicos, uma enfermeira e nove técnicos de
enfermagem. Adicionalmente, 11 civis voluntários do Ministério da
Saúde apresentaram-se para a execução dos trabalhos.
Ainda
sobre o Haiti, um caso de emprego de sucesso recente no contexto das
operações humanitárias nas operações de paz consistiu nas ações
de preparação e resposta ao furacão Matthew no Haiti, em 2016. O
GptOpFuzNav, valendo-se da sua estrutura modular e capacidade
expedicionária, formou destacamentos com efetivos e meios
redimensionados, com a tarefa de, inicialmente, realizar o
reconhecimento de cidades mais ao sul do Haiti, já que havia a
previsão de se ter maior destruição naquela região do país, e
escoltar elementos da Companhia de Engenharia do Exército
Brasileiro, que com os seus equipamentos pesados estariam aptos a
desobstruir vias e ajudar nos resgates.
Os Fuzileiros Navais
conduziram ações de reconhecimento nas cidades em que as equipes de
ajuda humanitária e de defesa e proteção civil da Organização
das Nações Unidas gostariam de se posicionar com antecedência para
aguardar a passagem do furacão. Além disso, seus destacamentos
contribuíram decisivamente para proporcionar a continuidade do fluxo
logístico humanitário entre algumas das cidades mais afetadas.
Os
Fuzileiros Navais nas operações humanitárias
Além
da sua flexibilidade, espera-se que as tropas empregadas em tarefas
adicionais ao mandato da missão reúnam um conjunto de capacidades
que permitam o cumprimento da missão em sua plenitude. Tais
capacidades são potencializadas nas tropas do CFN da MB. Parcela
intrínseca do poder naval, o CFN é formado exclusivamente por
militares profissionais, admitidos por concurso público, desde o
soldado mais moderno ao seu comandante-geral. Constitui-se no
principal vetor da MB para a consecução de uma das tarefas do poder
naval, qual seja a projeção de poder sobre terra.
Com isso, seus
soldados-marinheiros são adaptados tanto para a vida a bordo dos
navios, como para as operações em terra. Ademais, os meios de
Fuzileiros Navais são específicos para o embarque em navios e
posterior desembarque em terra, obedecendo a uma doutrina
consolidada, com tropas e meios aprestados em permanente condição
de emprego. A
capacidade expedicionária do CFN é outra característica
importante, que em muito contribui para o atendimento, no menor tempo
possível, às populações afetadas no curso de uma operação
humanitária. Isto possibilita o emprego tempestivo de força
autossustentável, para cumprir missão por tempo limitado e sob
condições austeras.
Além disso, a necessidade de haver uma
doutrina ímpar, organização e meios prontos para o embarque, bem
como o tempestivo deslocamento em navios da MB para os cenários de
interesse, impôs à tropa anfíbia um perfil operacional ágil, leve
e eficaz. É justamente este perfil que habilita os Fuzileiros Navais
a serem empregados rapidamente, em diferentes ambientes, longe de
suas bases e com distintas capacidades operativas. As
tropas de Fuzileiros Navais são sempre empregadas por meio de
GptOpFuzNav. Tal modelo organizacional, além de proporcionar
flexibilidade e versatilidade ao comando, pois combina as capacidades
e competências dos meios de combate, de apoio ao combate e de apoio
de serviços ao combate, de forma complementar e integrada,
possibilita um emprego gradual.
Ao
se utilizar o mar, a força naval é capaz de posicionar o
GptOpFuzNav em local apropriado e com grande mobilidade pelo emprego
de embarcações de desembarque, viaturas anfíbias, aeronaves, entre
outros que possam ser projetados em terra. Tal fator está
diretamente relacionado à mobilidade estratégica, conferindo a
possibilidade de emprego conjugado de modais de transporte marítimos
e aéreos.
Nova
realidade
As
operações de paz, que em um passado recente eram restritas à
beligerância entre partidos antagônicos, passaram a ser desdobradas
em ambientes complexos. Ao mesmo tempo, o combate, que outrora era
observado nos campos de batalhas, passou a ser travado em centros
urbanos. Também é latente a tendência de um incremento na
incidência de desastres naturais provenientes das ações do homem,
da deterioração ambiental e de mudanças climáticas, carregando
consigo uma complexidade de efeitos cumulativos e impacto a um maior
número de pessoas e bens.
Todos
esses fatores destacam que a assunção de operações humanitárias
no contexto das operações de paz é uma realidade e pode se tornar
mais frequente. As forças militares têm desempenhado um papel
importante na prestação de apoio e ajuda durante essas operações,
devido à sua estrutura organizacional e capacidade logística,
possuindo meios e funções capazes de serem rapidamente inseridos e
otimizados.
FONTE: Diálogo Américas
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