segunda-feira, 11 de abril de 2016

100 anos de Dassault Aviation - 1a parte.

Por Yam Wanders

Hall exclusivo para protótipos Dassault Aviation no Musée de L'Air et Espace de Le Bourget, France.

É impossível falar de aviação sem lembrar a França, o país que mais contribuiu nos primórdios do século XX, para que a técnica e a ciência aviatória pudesse se desenvolver e assim se propagar pelo mundo, fato esse que certamente teria sofrido atrasos consideráveis se não fosse a contribuição francesa para o apoio não só de seus pesquisadores natais como do nosso bem conhecido Santos=Dumont e outros que lá estavam, os quais encontraram o campo propício para o desenvolvimento de seus inventos.
Sendo assim, na França é impossível falar de aviação sem falar de Dassault Aviation
entre outros, e a justa homenagem que ocorre nessa semana ao engenheiro, político e industrial francês Marcel Dassault (Paris, 22 de janeiro de 1892 – Neuilly-sur-Seine, 17 de abril de 1986) no que é centenário de atividades das Industrias Dassault é um evento único em importância para a industria aeronáutica desse país e que está entre os que mais prestaram ajuda ao aparelhamento de defesa do Brasil.
Atualmente, produtos da Dassault Aviation são utilizados em mais de vinte países.


Como tudo começou.

Durante a 1a guerra mundial raros eram os dispensados da convocação ao combate e para qualquer francês seria uma desonra se esquivar de ir ao front mesmo sabendo das baixas possibilidades de voltar vivo e incólume, porém indivíduos que possuíssem capacidades excepcionais no campo técnico eram encaminhados para o esforço técnico/industrial, este tão importante quanto lutar em batalha, haja visto que enfrentar uma nação como a Alemanha, conhecida pela excelência técnica, mesmo com a ajuda britânica e de outros países foi uma tarefa árdua e heróica. Sendo assim não seria diferente com Marcel “Bloch”(Bloch, nome original de família de Marcel Dassault), um jovem engenheiro recém-formado de 22 anos, mas já conhecido pelo talento e capacidade imaginativa que em 1914, logo após se formar na “École superieure d'Aeronautique et de construtions mécaniques” é designado para o laboratório de pesquisas aeronáuticas de Chalais-Meudon mesmo já estando incorporado no exército francês em um regimento de engenharia desde 1913.
Um dos primeiros trabalhos do jovem Marcel Bloch foi de acompanhar a produção e o desenvolvimento da aeronave de observação Caudron G3 em todas as quatro fábricas que o produziam, efetuando toda a revisão dos projetos, estudando e adaptando as modificações que eram solicitadas pelos pilotos que o utilizavam. E após profundos estudos em conjunto com os pilotos e mecânicos, o jovem engenheiro chega a conclusão da necessidade de projetar um avião totalmente novo para o esforço de guerra após se assegurar da experiência necessária para a construção aeronáutica.


A famosa hélice “Eclair”

O jovem Marcel Bloch junto a um avião equipado com sua hélice "Éclair". Imagem via Dassault Aviation.

Apesar da evidente necessidade de novas aeronaves para o esforço de guerra da França, existia também a necessidade urgente de melhorar o que já havia disponível e em uso. Aviões como o Caudron G3 usados para reconhecimento, formavam a espinha dorsal da aviação francesa da época, mas obviamente eram inferiores em performaçe aos modelos similares alemães e ingleses, em grande parte devido a baixa perfomace da hélice que o equipava. Assim após os devidos estudos, em 1915 Marcel Bloch desenvolve uma hélice nova, que para ser feita de madeira, necessitava da colaboração de bons fabricantes de móveis, profissionais estes que dominavam o “savoir faire” do trabalho manual que a qualidade do produto precisava. Então Marcel Bloch pessoalmente acompanha a construção de gabaritos de montagem e a produção das sua nova hélice batizada de “Eclair”, que assim que foi apresentada ao centro de ensaios de serviços técnicos aeronáuticos de Villacoublay para os ensaios e testes, e se provou muito superior a todos os outros modelos existentes até então e finalmente em novembro do mesmo ano são encomendadas 50 hélices para equipar as aeronaves Caudron G3 com o motor Le Rhône de 80 HP.
Um Caudron G-3 equipado com a hélice "Éclair". Imagem via Dassault Aviation.
Em fevereiro de 1916 eclode a famosa batalha de Verdun, uma das mais terríficantes da guerra e obviamente a encomenda de mais aeronaves e seus respectivos itens se faz necessidade imediata, o que faz com que Marcel Bloch convide seu amigo Henry Potez para o ajudar no início da produção em série da hélice Éclair que agora em seu 2o modelo, equipa aviões como o caça Nieuport12, o Caudron G4, e Farmam 40, o que requer uma encomenda inicial de 500 hélices, colocando a maior parte de todos os fabricantes de móveis de madeira de Farbourg Saint-Antoine a trabalhar na empreitada. Ao final de 1916, mais de 4000 (quatro mil) exemplares em seus diversos modelos são produzidas e agora equipam até aeronaves de fabricação britânica como o famoso Sopwith Camel e outros como Dorand, Letord e sobretudo o Spad VII, esse último utilizado pelo Às francês George Guynemer, um grande amigo de Marcel Bloch.
Em 1917 Marcel Bloch vem a ser o 4o maior fabricante de hélices da França( sendo ultrapassado apenas por “Chauviére, Régy e Ratmanoff), sendo que na época existiam 40 outros fabricantes.
No ano seguinte em 1918, as hélices Éclair equipam o primeiro avião de construção de Marcel Bloch, o biplace de caça e observação SEA IV.
Sendo assim, podemos considera que 1916 é o ano que marca o início das atividades de produção em série do que hoje é a gigantesca empresa Dassault.


Caça SPAD VII, equipado com hélice Eclair, a aeronave da foto foi utilizada pelo Às George Gynemer. Foto por Yam Wanders no Musée de L'Air et Espace de le Bourget, France.


Caça SPAD VII, equipado com hélice Eclair, a aeronave da foto foi utilizada pelo Às George Gynemer. Foto por Yam Wanders no Musée de L'Air et Espace de le Bourget, France.

Caça SPAD VII, equipado com hélice Eclair, a aeronave da foto foi utilizada pelo Às George Gynemer. Foto por Yam Wanders no Musée de L'Air et Espace de le Bourget, France.




A construção do 1o avião “Dassault”

Henry Potez, amigo e sócio de empreita de Marcel Bloch. Imagem via Dassault Aviation.

Mas para o então Marcel Bloch, a construção de hélices e outros pequenos itens, bem como o acompanhamento de projetos de terceiros não satisfazem a sede de aviação que já possuia o jovem engenheiro, que em sociedade com seu amigo Henry Potez, criam a SEA – Societé d'Études Aeronautiques,
para desenvolver um avião de caça e observação que substitua os Sopwith de fabricação britânica, começando assim pelo SEA I com um motor de 200HP, mas que apresentou alguns problemas de adaptação do conjunto célula e motor, passando assim ao desenvolvimento do SEA II chegando ao SEA IV, que recebe ao final de 1917 uma encomenda de mil aeronaves do Ministério do Armamento e da Guerra da França.
SEA IV. Foto dos arquivos pessoais de Jacques Moulin, via www.aviafrance.com
Porém, devido a problemas diversos que variaram desde escassa mão de obra até materiais diversos, o primeiro SEA IV sai da linha de produção em 11 de novembro de 1918, data do armistício da 1a Guerra Mudial!

Palavras de Marcel Bloch:
  • Eu conheci todas as características técnicas de todos os aviões feitos na época(1a Guerra Mundial),
    Eu acompanhava desde a concepção até a sua conclusão como protótipo para me asseguerar do bom funcionamento de minhas hélices.
    Eu passei dias inteiros nos campos de aviação e estudava atenciosamente todos os incidentes, desde célula até motor e as maneiras como eram sanados.
    Obtive assim a prática necessária para tudo o que se conheçe como ensaio em vôo em sua minúcia. Assim consegui a experiêcia necessária para saber tudo sobre os aviões que conseguíamos reparar e voar, para com isso ter o conhecimento necessário para construir um bom avião.
    Marcel Dassault, passagem extraída do livro “O talismã, pág 44/45.

A “SEA”

A Societé d'Études Aeronautiques, ou apenas SEA, é criada em 1917, fruto da parceria entre o então Marcel Bloch, Henry Potez e seu parceiro de trabalho Louis Coroller, eles desenham o monomotor SEA I, um avião de observação equipado com um motor de 120HP que se revela inapto para o vôo devido a diversos problemas iniciais de conçepção e falta de material adequado, poré, se o motor se mostra pouco potente, a fuselagem é boa e serve de plataforma para o aperfeiçoamento de outros modelos,sendo o SEA II e SEA III, que ainda carecem de motores mais potentes para melhorar o desempenho de vôo dessas aeronaves, mas então aparece o motor Lorraine de 370HP que permite o desenvolvimento do SEA IV, que efetua seu primeiro vôo em fins de 1917(data ignorada pois faltam registros históricos precisos, pois muita coisa se perdeu durante a 1a e 2a guerras). O então Misnistério de Armamento e da Guerra encomenda mil aviões, mas o primeiro exemplar de linha só fica pronto no dia 11 de novembro de 1918, dia do armistício da guerra. O governo da época na intenção de honrar o acordo parcialmente, adquire uma centena de aviões que já estavam em linha de produção, e, devio a óbvia ausência de necessidade de aviões militares, a SEA, encerra suas atividades e se lança no mercado imobiliário(!?!).

O retorno em 1928

Em 1928 é criado pelo governo francês o ministério do ar, que visa o desenvolvimento do transporte aéreo em especial dos correios nacionais, o que promove o retorno de Marcel Bloch ao ramo de fabricação de aviões e de imediato ele recebe a encomenda de um protótipo de uma aeronave trimotora para o transporte de carga, e, para isso Marcel Bloch cria a Societé de Avions Marcel Bloch e recruta diversos jovens engenheiros para o trabalho. E ao final de 1931 o sucesso é alcançado com a produção e entrega dos modelos MB80, monomotor de ligação e do MB 120, um trimotor de transporte de passageiros e carga e o MB 220 para transporte de passageiros.
Bimotor MB120. Foto via Dassault Aviation.

Bimotor MB 220.Foto via Dassault Aviation.


Em 1934 Marcel Bloch enfrenta a crise econômica de uma maneira fora do normal e, após entendimentos com seu sócio Henry Potez, compram outras fábricas menores de aviões como a SAB – Societé Aérienne Bourdelaise, a SASO – Societé Aeronautique du Sud Ouest e a SMAL – Societé de Moteurs et Automobiles Lorraine o que lhe garante um certo privilégio de ausência de concorrências menores mas lhe sobrecarrega de responsabilidades trabalhistas para com os empregados dessas empresas.

A nacionalização e a política de rearmamento pré 2a Guerra Mundial

Em 1936 um novo governo liderado pelo Partido Frente Popular procede a política de nacionalização de toda a industria de armamentos da França e com a industria de aviação não seria diferente, afetando diretamente as industrias de Marcel Bloch e de outros construtores, fazendo com que todas essas fábricas sejam divididas em seis grandes fábricas nacionais de construção aeronáutica. No dia 16 de janeiro de 1937 a Societé des Avions Marcel Bloch é integralmente nacionalizada e todas as suas cinco fábricas pela França formam o que vem a ser a espinha dorsal da SNCASO – Societé Aeronautique deConstructions du Sud-Ouest.
Mesmo que todas as suas fábricas tenha sido nacionalizadas, Marcel Bloch permanece com a propriedade de seu escritório de estudos e oficinas de ensaios e cria a SAAMB – Societé Anonyme des Avions Marcel Bloch, que, acaba sendo nacionalizada e integrada a SNCASO também em 1937.
Em 1937 já ciente da degradação do cenário político na Europa e a possibilidades de uma guerra cada vez mais próxima (2a Guerra Mundial) o governo da França se lança a um programa de rearmamento em carácter de urgência e os modelos que são produzidos de imediato são caças MB-152 e bombardeiros MB-170 (adaptado do modelo MB-161, um bimotor de transporte de passageiros).
Caça MB 152. Imagem via www.wardrawning.be
Bombardeiro MB 170. Imagem via Dassault Aviaton.

















A 2a Guerra Mundial

Quando a França declara guerra à Alemanha Nazista, a produção de aviões é acelerada ao máximo com grandes quantidades de encomendas, mas muito tarde para ajudar no esforço de guerra. Apesar de todos os esforços da parte de Marcel Bloch, ele se desentende com o então Ministério do Ar da França e sai da SNCASO. Após o armistício da França, a Alemanha não poupa nada da indústria aeronautica francesa e requisita tudo o que é possível para seu esforço, desde material, equipamentos, mão de obra e porjetos em andamento, e com isso toda a produção aeronáutica da França é interrompida e dissolvida. Seguido de diversas acusações por parte do Governo de Vichy, entre outros problemas, Marcel Bloch é preso em 5 e outubro de 1940, e mesmo preso, Marcel Bloch continua a se manter informado de quase tudo que ocorre no mundo aeronáutico e toma conhecimento que a Alemanha tem interesse em seus aviões, em especial o bimotor MB-175, o qual solicitam 200 unidades para a SNCASO e também o quadrimotor MB-161, todos para equipar a Lufthansa.
Apesar das imposições da Alemanha Nazista em obter a colaboração de Marcel Bloch, este tenta de todas as maneiras se desembaraçar dos problemas com o governo de Vichy, para manter seus direitos industriais e ao mesmo tempo evitar a colaboração para com o III Reich, mas em 1944 Marcel acaba sendo enviado ao campo de concentração de Buchenwald como refém político, tendo sua libertação condicionada à colaboração industrial nas fábricas da Focke-Wulf em Hanovre, o que ele recusa veemente e por pouco não é enforcado pelos alemães. Marcel Bloch é libertado somente em 11 de abril de 1945 após a liberação do campo de Buchenwald por tropas americanas.
Uma história curiosa desse período é que logo após a ocupação da França pelas tropas do III Reich, uma comissão alemã de técnicos aeronáuticos liderada pelo famoso Kurt Tank, então diretor técnico da Focke-Wulf, efetuam uma visita as instalações de Merignac para inspecionar a capacidade técnica da industria aeronáutica francesa, e então durante a avaliação do avião MB-175, o qual deixa Kurt tank impressionado pela sua qualidade e performace. Na época, um dos engenheiros da SNCASO, o famoso Henry Deplante, fica impressionado como reconhecimento dos alemães e declara que é a 1a vez que os esforços da SNCASO eram reconhecidos publicamente por uma comissão governamental, pois até então o próprio governo francês não o havia feito.

Biografia resumida de Marcel “Dassalt” Bloch.

Uma das famosas imagens de Marcel Dassault junto aos aviões que o imortalizaram. Imagem via Dassault Aviation.
 Marcel Ferdinand Bloch, filho mais novo de quatro irmãos, nasceu em Paris no dia 22 de janeiro de 1892, fez sua formação inicial no Lycée Condorcet em Paris e obteve sua graduação na École Breguet e Supraero.
Em 1919 se casa com Madeleine Minckes, filha de um rico comerciante de Paris e tem dois filhos com ela, respectivamente Claude e Serge.

 Ele muda seu nome original de Marcel Bloch para Marcel “Bloch-Dassault” na 2a Guerra Mundial, durante o período em que ficou preso no campo de Buchenwald pelas forças de ocupação da Alemanha nazista e depois para apenas Marcel “Dassault” em 1949, como justa homenagem ao seu irmão, o General Darius Paul Bloch, que durante a ocupação nazista se integrou a resistência francesa e usava o nome código de “Dassault” que originalmente é usado para a designação da expressão em francês “char d'assault”(veículo de assalto – designação francesa para os veículos blindados de combate, para uma tradução com adaptação mais próxima para o português, o nome traduzido de Marcel Dassault seria Marcelo “Atacante”).
Mesmo gerindo as atividades industriais, Marcel Dassault se engajou na política e foi eleito deputado por vários mandatos entre 1951 até 1986, e também exerceu um mandato como senador de 1957 à 1958.
Entre as diversas honrarias, Marcel Dassault é condecorado com a Grand Croix de la Légion d'honneur” a maior condecoração da República Francesa.
Marcel Dassault chegou a ser um dos homens com a maior fortuna da França em 1985.

Existem atualmente sete biografias sobre a vida de Marcel Dassault sendo que uma delas foi escrita pelo próprio em 1970 (Marcel Dassault, Le Talisman (autobiographie), Paris, J'ai Lu, 1970 et Paris, Jours de France, 1973 )e a mais recente data de 2007 (L’usine d’aviation Marcel Bloch à Déols de Nelly Alletru, Éditions de l'Inventaire général du patrimoine culturel, 2007).
Marcel Dassault faleceu no dia 17 de abril de 1986 com a idade de 96 anos, em Neully-sur-Seine e seus restos estão depositados no cemitério de Passy em Paris.
Em sua homenagem, o “rond point”(rotatória) da Avenida de Champs Elisée foi renomeado como rond point “Champs Elísée – Marcel Dassault”
Marcel Dassault junto a um dos primeiros computadores utilizados para projetos aeronáuticos do mundo. Foto de Gilbert Uzan via gettyimages.