Por Yam Wanders
Hall exclusivo para protótipos Dassault Aviation no Musée de L'Air et Espace de Le Bourget, France. |
É
impossível falar de aviação sem lembrar a França, o país que
mais contribuiu nos primórdios do século XX, para que a técnica e
a ciência aviatória pudesse se desenvolver e assim se propagar pelo
mundo, fato esse que certamente teria sofrido atrasos consideráveis
se não fosse a contribuição francesa para o apoio não só de seus
pesquisadores natais como do nosso bem conhecido Santos=Dumont e outros que lá estavam, os quais encontraram o campo propício para o desenvolvimento de seus
inventos.
Sendo
assim, na França é impossível falar de aviação sem falar de
Dassault Aviation
entre outros, e a justa homenagem que ocorre nessa
semana ao engenheiro, político e industrial francês Marcel
Dassault (Paris, 22 de janeiro de 1892 – Neuilly-sur-Seine,
17 de abril de 1986) no que é centenário de atividades
das Industrias Dassault é um evento único em importância para a
industria aeronáutica desse país e que está entre os que mais
prestaram ajuda ao aparelhamento de defesa do Brasil.
Atualmente,
produtos da Dassault Aviation são utilizados em mais de vinte
países.
Como
tudo começou.
Durante
a 1a guerra mundial raros eram os dispensados da convocação ao
combate e para qualquer francês seria uma desonra se esquivar de ir
ao front mesmo sabendo das baixas possibilidades de voltar vivo e
incólume, porém indivíduos que possuíssem capacidades
excepcionais no campo técnico eram encaminhados para o esforço
técnico/industrial, este tão importante quanto lutar em batalha,
haja visto que enfrentar uma nação como a Alemanha, conhecida pela
excelência técnica, mesmo com a ajuda britânica e de outros países
foi uma tarefa árdua e heróica. Sendo assim não seria diferente
com Marcel “Bloch”(Bloch, nome original de família de Marcel
Dassault), um jovem engenheiro recém-formado de 22 anos, mas já
conhecido pelo talento e capacidade imaginativa que em 1914, logo
após se formar na “École superieure d'Aeronautique et de
construtions mécaniques” é designado para o laboratório de
pesquisas aeronáuticas de Chalais-Meudon mesmo já estando
incorporado no exército francês em um regimento de engenharia desde
1913.
Um
dos primeiros trabalhos do jovem Marcel Bloch foi de acompanhar a
produção e o desenvolvimento da aeronave de observação Caudron G3
em todas as quatro fábricas que o produziam, efetuando toda a
revisão dos projetos, estudando e adaptando as modificações que
eram solicitadas pelos pilotos que o utilizavam. E após profundos
estudos em conjunto com os pilotos e mecânicos, o jovem engenheiro
chega a conclusão da necessidade de projetar um avião totalmente
novo para o esforço de guerra após se assegurar da experiência
necessária para a construção aeronáutica.
A
famosa hélice “Eclair”
O jovem Marcel Bloch junto a um avião equipado com sua hélice "Éclair". Imagem via Dassault Aviation. |
Apesar
da evidente necessidade de novas aeronaves para o esforço de guerra
da França, existia também a necessidade urgente de melhorar o que
já havia disponível e em uso. Aviões como o Caudron G3 usados para
reconhecimento, formavam a espinha dorsal da aviação francesa da
época, mas obviamente eram inferiores em performaçe aos modelos
similares alemães e ingleses, em grande parte devido a baixa
perfomace da hélice que o equipava. Assim após os devidos estudos,
em 1915 Marcel Bloch desenvolve uma hélice nova, que para ser feita
de madeira, necessitava da colaboração de bons fabricantes de
móveis, profissionais estes que dominavam o “savoir faire” do
trabalho manual que a qualidade do produto precisava. Então Marcel
Bloch pessoalmente acompanha a construção de gabaritos de montagem
e a produção das sua nova hélice batizada de “Eclair”, que
assim que foi apresentada ao centro de ensaios de serviços técnicos
aeronáuticos de Villacoublay para os ensaios e testes, e se provou
muito superior a todos os outros modelos existentes até então e
finalmente em novembro do mesmo ano são encomendadas 50 hélices
para equipar as aeronaves Caudron G3 com o motor Le Rhône de 80 HP.
Um Caudron G-3 equipado com a hélice "Éclair". Imagem via Dassault Aviation. |
Em
fevereiro de 1916 eclode a famosa batalha de Verdun, uma das mais
terríficantes da guerra e obviamente a encomenda de mais aeronaves e
seus respectivos itens se faz necessidade imediata, o que faz com que
Marcel Bloch convide seu amigo Henry Potez para o ajudar no início
da produção em série da hélice Éclair que agora em seu 2o
modelo, equipa aviões como o caça Nieuport12, o Caudron G4, e
Farmam 40, o que requer uma encomenda inicial de 500 hélices,
colocando a maior parte de todos os fabricantes de móveis de madeira
de Farbourg Saint-Antoine a trabalhar na empreitada. Ao final de
1916, mais de 4000 (quatro mil) exemplares em seus diversos modelos
são produzidas e agora equipam até aeronaves de fabricação
britânica como o famoso Sopwith Camel e outros como Dorand, Letord e
sobretudo o Spad VII, esse último utilizado pelo Às francês George
Guynemer, um grande amigo de Marcel Bloch.
Em
1917 Marcel Bloch vem a ser o 4o maior fabricante de hélices da
França( sendo ultrapassado apenas por “Chauviére, Régy e
Ratmanoff), sendo que na época existiam 40 outros fabricantes.
No
ano seguinte em 1918, as hélices Éclair equipam o primeiro avião
de construção de Marcel Bloch, o biplace de caça e observação
SEA IV.
Sendo
assim, podemos considera que 1916 é o ano que marca o início das
atividades de produção em série do que hoje é a gigantesca
empresa Dassault.
Caça SPAD VII, equipado com hélice Eclair, a aeronave da foto foi utilizada pelo Às George Gynemer. Foto por Yam Wanders no Musée de L'Air et Espace de le Bourget, France. |
Caça SPAD VII, equipado com hélice Eclair, a aeronave da foto foi utilizada pelo Às George Gynemer. Foto por Yam Wanders no Musée de L'Air et Espace de le Bourget, France. |
Caça SPAD VII, equipado com hélice Eclair, a aeronave da foto foi utilizada pelo Às George Gynemer. Foto por Yam Wanders no Musée de L'Air et Espace de le Bourget, France. |
A
construção do 1o avião “Dassault”
Henry Potez, amigo e sócio de empreita de Marcel Bloch. Imagem via Dassault Aviation. |
Mas
para o então Marcel Bloch, a construção de hélices e outros
pequenos itens, bem como o acompanhamento de projetos de terceiros
não satisfazem a sede de aviação que já possuia o jovem
engenheiro, que em sociedade com seu amigo Henry Potez, criam a SEA –
Societé d'Études Aeronautiques,
para
desenvolver um avião de caça e observação que substitua os
Sopwith de fabricação britânica, começando assim pelo SEA I com
um motor de 200HP, mas que apresentou alguns problemas de adaptação
do conjunto célula e motor, passando assim ao desenvolvimento do SEA
II chegando ao SEA IV, que recebe ao final de 1917 uma encomenda de
mil aeronaves do Ministério do Armamento e da Guerra da França.
SEA IV. Foto dos arquivos pessoais de Jacques Moulin, via www.aviafrance.com |
Porém,
devido a problemas diversos que variaram desde escassa mão de obra
até materiais diversos, o primeiro SEA IV sai da linha de produção
em 11 de novembro de 1918, data do armistício da 1a Guerra Mudial!
Palavras
de Marcel Bloch:
- Eu conheci todas as características técnicas de todos os aviões feitos na época(1a Guerra Mundial),Eu acompanhava desde a concepção até a sua conclusão como protótipo para me asseguerar do bom funcionamento de minhas hélices.Eu passei dias inteiros nos campos de aviação e estudava atenciosamente todos os incidentes, desde célula até motor e as maneiras como eram sanados.Obtive assim a prática necessária para tudo o que se conheçe como ensaio em vôo em sua minúcia. Assim consegui a experiêcia necessária para saber tudo sobre os aviões que conseguíamos reparar e voar, para com isso ter o conhecimento necessário para construir um bom avião.Marcel Dassault, passagem extraída do livro “O talismã, pág 44/45.
A
“SEA”
A
Societé d'Études Aeronautiques, ou apenas SEA, é criada em 1917,
fruto da parceria entre o então Marcel Bloch, Henry Potez e seu
parceiro de trabalho Louis Coroller, eles desenham o monomotor SEA I,
um avião de observação equipado com um motor de 120HP que se
revela inapto para o vôo devido a diversos problemas iniciais de
conçepção e falta de material adequado, poré, se o motor se
mostra pouco potente, a fuselagem é boa e serve de plataforma para o
aperfeiçoamento de outros modelos,sendo o SEA II e SEA III, que
ainda carecem de motores mais potentes para melhorar o desempenho de
vôo dessas aeronaves, mas então aparece o motor Lorraine de 370HP
que permite o desenvolvimento do SEA IV, que efetua seu primeiro vôo
em fins de 1917(data ignorada pois faltam registros históricos
precisos, pois muita coisa se perdeu durante a 1a e 2a guerras). O
então Misnistério de Armamento e da Guerra encomenda mil aviões,
mas o primeiro exemplar de linha só fica pronto no dia 11 de
novembro de 1918, dia do armistício da guerra. O governo da época
na intenção de honrar o acordo parcialmente, adquire uma centena de
aviões que já estavam em linha de produção, e, devio a óbvia
ausência de necessidade de aviões militares, a SEA, encerra suas
atividades e se lança no mercado imobiliário(!?!).
O
retorno em 1928
Em
1928 é criado pelo governo francês o ministério do ar, que visa o
desenvolvimento do transporte aéreo em especial dos correios
nacionais, o que promove o retorno de Marcel Bloch ao ramo de
fabricação de aviões e de imediato ele recebe a encomenda de um
protótipo de uma aeronave trimotora para o transporte de carga, e,
para isso Marcel Bloch cria a Societé de Avions Marcel Bloch e
recruta diversos jovens engenheiros para o trabalho. E ao final de
1931 o sucesso é alcançado com a produção e entrega dos modelos
MB80, monomotor de ligação e do MB 120, um trimotor de transporte
de passageiros e carga e o MB 220 para transporte de passageiros.
Bimotor MB120. Foto via Dassault Aviation. |
Em
1934 Marcel Bloch enfrenta a crise econômica de uma maneira fora do
normal e, após entendimentos com seu sócio Henry Potez, compram
outras fábricas menores de aviões como a SAB – Societé Aérienne
Bourdelaise, a SASO – Societé Aeronautique du Sud Ouest e a SMAL
– Societé de Moteurs et Automobiles Lorraine o que lhe garante um
certo privilégio de ausência de concorrências menores mas lhe
sobrecarrega de responsabilidades trabalhistas para com os empregados
dessas empresas.
A
nacionalização e a política de rearmamento pré 2a Guerra Mundial
Em
1936 um novo governo liderado pelo Partido Frente Popular procede a
política de nacionalização de toda a industria de armamentos da
França e com a industria de aviação não seria diferente, afetando
diretamente as industrias de Marcel Bloch e de outros construtores,
fazendo com que todas essas fábricas sejam divididas em seis grandes
fábricas nacionais de construção aeronáutica. No dia 16 de
janeiro de 1937 a Societé des Avions Marcel Bloch é integralmente
nacionalizada e todas as suas cinco fábricas pela França formam o
que vem a ser a espinha dorsal da SNCASO – Societé Aeronautique
deConstructions du Sud-Ouest.
Mesmo
que todas as suas fábricas tenha sido nacionalizadas, Marcel Bloch
permanece com a propriedade de seu escritório de estudos e oficinas
de ensaios e cria a SAAMB – Societé Anonyme des Avions Marcel
Bloch, que, acaba sendo nacionalizada e integrada a SNCASO também em
1937.
Em
1937 já ciente da degradação do cenário político na Europa e a
possibilidades de uma guerra cada vez mais próxima (2a Guerra
Mundial) o governo da França se lança a um programa de rearmamento
em carácter de urgência e os modelos que são produzidos de
imediato são caças MB-152 e bombardeiros MB-170 (adaptado do modelo
MB-161, um bimotor de transporte de passageiros).
Caça MB 152. Imagem via www.wardrawning.be |
Bombardeiro MB 170. Imagem via Dassault Aviaton. |
A
2a Guerra Mundial
Quando
a França declara guerra à Alemanha Nazista, a produção de aviões
é acelerada ao máximo com grandes quantidades de encomendas, mas
muito tarde para ajudar no esforço de guerra. Apesar de todos os
esforços da parte de Marcel Bloch, ele se desentende com o então
Ministério do Ar da França e sai da SNCASO. Após o armistício da
França, a Alemanha não poupa nada da indústria aeronautica
francesa e requisita tudo o que é possível para seu esforço, desde
material, equipamentos, mão de obra e porjetos em andamento, e com
isso toda a produção aeronáutica da França é interrompida e
dissolvida. Seguido de diversas acusações por parte do Governo de
Vichy, entre outros problemas, Marcel Bloch é preso em 5 e outubro
de 1940, e mesmo preso, Marcel Bloch continua a se manter informado
de quase tudo que ocorre no mundo aeronáutico e toma conhecimento
que a Alemanha tem interesse em seus aviões, em especial o bimotor
MB-175, o qual solicitam 200 unidades para a SNCASO e também o
quadrimotor MB-161, todos para equipar a Lufthansa.
Apesar
das imposições da Alemanha Nazista em obter a colaboração de
Marcel Bloch, este tenta de todas as maneiras se desembaraçar dos
problemas com o governo de Vichy, para manter seus direitos
industriais e ao mesmo tempo evitar a colaboração para com o III
Reich, mas em 1944 Marcel acaba sendo enviado ao campo de
concentração de Buchenwald como refém político, tendo sua
libertação condicionada à colaboração industrial nas fábricas
da Focke-Wulf em Hanovre, o que ele recusa veemente e por pouco não
é enforcado pelos alemães. Marcel Bloch é libertado somente em 11
de abril de 1945 após a liberação do campo de Buchenwald por
tropas americanas.
Uma
história curiosa desse período é que logo após a ocupação da
França pelas tropas do III Reich, uma comissão alemã de técnicos
aeronáuticos liderada pelo famoso Kurt Tank, então diretor técnico
da Focke-Wulf, efetuam uma visita as instalações de Merignac para
inspecionar a capacidade técnica da industria aeronáutica francesa,
e então durante a avaliação do avião MB-175, o qual deixa Kurt
tank impressionado pela sua qualidade e performace. Na época, um dos
engenheiros da SNCASO, o famoso Henry Deplante, fica impressionado
como reconhecimento dos alemães e declara que é a 1a vez que os
esforços da SNCASO eram reconhecidos publicamente por uma comissão
governamental, pois até então o próprio governo francês não o
havia feito.
Biografia
resumida de Marcel “Dassalt” Bloch.
Uma das famosas imagens de Marcel Dassault junto aos aviões que o imortalizaram. Imagem via Dassault Aviation. |
Em
1919 se casa com Madeleine Minckes, filha de um rico comerciante de
Paris e tem dois filhos com ela, respectivamente Claude e Serge.
Ele muda seu nome original de Marcel Bloch para Marcel “Bloch-Dassault” na 2a Guerra Mundial, durante o período em que ficou preso no campo de Buchenwald pelas forças de ocupação da Alemanha nazista e depois para apenas Marcel “Dassault” em 1949, como justa homenagem ao seu irmão, o General Darius Paul Bloch, que durante a ocupação nazista se integrou a resistência francesa e usava o nome código de “Dassault” que originalmente é usado para a designação da expressão em francês “char d'assault”(veículo de assalto – designação francesa para os veículos blindados de combate, para uma tradução com adaptação mais próxima para o português, o nome traduzido de Marcel Dassault seria Marcelo “Atacante”).
Mesmo
gerindo as atividades industriais, Marcel Dassault se engajou na
política e foi eleito deputado por vários mandatos entre 1951 até
1986, e também exerceu um mandato como senador de 1957 à 1958.
Entre
as diversas honrarias, Marcel Dassault é condecorado com a Grand
Croix de la Légion d'honneur” a maior condecoração da República
Francesa.
Marcel
Dassault chegou a ser um dos homens com a maior fortuna da França em
1985.
Existem atualmente
sete biografias sobre a vida de Marcel Dassault sendo que uma delas
foi escrita pelo próprio em 1970 (Marcel
Dassault, Le Talisman (autobiographie), Paris, J'ai Lu,
1970 et Paris, Jours de France, 1973 )e
a mais recente data de 2007 (L’usine
d’aviation Marcel Bloch à Déols de
Nelly Alletru, Éditions de l'Inventaire général du patrimoine
culturel, 2007).
Marcel
Dassault faleceu no dia 17 de abril de 1986 com a idade de 96 anos,
em Neully-sur-Seine e seus restos estão depositados no cemitério de
Passy em Paris.
Em
sua homenagem, o “rond point”(rotatória) da Avenida de Champs
Elisée foi renomeado como rond point “Champs Elísée – Marcel
Dassault”
Marcel Dassault junto a um dos primeiros computadores utilizados para projetos aeronáuticos do mundo. Foto de Gilbert Uzan via gettyimages. |