Image via China TV. |
Por: Marcus Piffer.
Há vários meses, eu comecei a rascunhar este artigo, mas parei bem antes da metade. O interesse em continuar voltou há poucos dias, quando encontrei na internet um outro sobre um tema parecido:
Quando eu tinha uns quatorze anos, li pela primeira vez Tempestade Vermelha do Tom Clancy. Foi um dos primeiros livros de adulto que li. Esse livro, escrito em 1986, se propunha a dar uma visão realista de como seria um conflito entre a OTAN e o Pacto de Varsóvia na Europa Ocidental, fugindo dos filmes catastróficos que abordavam o holocausto nuclear no início da década de 1980 (o mais conhecido deles foi O dia seguinte, de 1983).
Algum tempo depois, encontrei A Terceira Guerra Mundial de John Hackett. Embora eu tenha lido depois, o livro foi escrito no final da década de 1970. No início do ano passado, li Ghost Fleet, de Peter W. Singer e August Cole, de 2015.
Esses três livros abordam a visão dos autores sobre como seria uma Terceira Guerra Mundial. Foram escritos em épocas diferentes e carregam em suas páginas as conjunturas de quando foram elaborados. O mais interessante de tudo é ver como a tecnologia evoluiu ao longo do tempo e também como as ameaças mudaram.
Outros livros foram escritos sobre o mesmo tema, mas eu não tenho a intenção aqui de esgotar o assunto. Vou apenas falar dos livros que li e que, acredito eu, são bastante significativos e emblemáticos.
Uma característica comum aos três são as falhas ou descaso com a diplomacia ou as teorias geopolíticas. É uma falta compreensível ou até proposital; ela é necessária para que se desencadeie um conflito na proporção que é descrito. Um rigor maior nesse sentido tornaria inverossímil o desenrolar da história. Superada a questão política, que serve apenas como pano de fundo, todos trazem muito boas descrições dos níveis estratégico, operacional e tático, cada um ao seu modo.
Sir John Hackett, um general inglês, membro do alto comando da OTAN na época, usa relatórios de exercícios, citações de livros e artigos fictícios e outros documentos, com um rigor que beira um trabalho acadêmico. É o mais verossímil dos três (considerando-se as condições da época em que foi escrito), embora seja de leitura mais difícil. O general Hackett não escreve sobre a sua época. Faz sim uma projeção de uma campanha que ocorreria sete anos no futuro, em 1985. Nesse projeção, são empregados equipamentos militares que não estavam disponíveis quando o livro foi escrito. É interessante que, embora apenas o nome de Hackett conste como autor, foi um trabalho de equipe, como Michaels cita em seu artigo:
"Although the book is often referred to as being authored by Hackett, in actual fact, he only wrote a small portion. Instead, his main role was providing the general concept for the scenario, as well as organizing and editing the more detailed chapters that were written by a group of former British senior officers from each of the services, a deputy editor of the Economist, a former chairman of the Joint Intelligence Committee, as well as the Nuclear, Biological and Chemical Warfare Directing Staff (DS) at the Royal Military College of Science, Shrivenham."
Como o livro foi escrito sobre um futuro próximo para a época, serviu como uma propaganda das novas tecnologias que entrariam em serviço no início ou meados da década de 1980. Uma das ideias do livro era convencer os governos e os leitores/eleitores da necessidade de aquisição dos sistemas mais modernos, como os carros de combate M-1 Abrams dos EUA, e Leopard 2 da Alemanha. Eu não percebi essa intenção quando li o livro, já no final dos anos 80; apenas achei interessante a projeção que o autor fez dos sistemas que já estariam operando e que efetivamente se concretizou. A ideia da propaganda está presente no artigo citado do Dr Michaels.
Entre os autores, sem dúvida Tom Clancy é o melhor “contador de histórias”, o único escritor de ficção por profissão. Isso faz com que o seu livro seja o mais fluido e de fácil leitura.
A história contada se baseia em uma simulação feita no wargame Harpoon, de Larry Bond. O autor cita isso no início do livro, dizendo que o livro é tanto de Larry Bond quanto dele próprio.
O sistema Harpoon, ainda que permita operações aéreas e terrestres (essas últimas com restrições), se foca nas operações navais. Talvez por isso, esse também é o grande foco do livro e que são descritas com mais detalhes. O autor também se encontrava muito à vontade para escrever sobre isso depois do sucesso de seu primeiro livro, Caçada ao Outubro Vermelho, que também usou o wargame Harpoon como subsídio.
O mais recente dos três trabalhos é o Ghost Fleet, de 2015 e que eu li no início de 2016. Fez um enorme sucesso quando lançado. Na verdade, não sei se foi enorme mesmo ou se é enorme apenas entre as pessoas com as quais convivo na internet.
Na visão dos autores, essa guerra ocorreria num futuro próximo, no Oceano Pacífico, entre os Estados Unidos e a China. Até onde me recordo, o ano não é citado expressamente no texto. Além de mudar o oponente dos Estados Unidos da União Soviética/Rússia para a China, este é o único que também apresenta um conflito mais limitado — que talvez nem mereça ser chamado de “mundial”.
O grande diferencial de Ghost Fleet são as centenas de referências às novas tecnologias empregadas na história. Eu li a edição no Kindle e as referências tinham seus respectivos links para os sites de cada uma. Isso torna o livro uma excelente fonte de pesquisa. Além da tecnologia em si, a história apresenta um conceito contextualizado de como seria o emprego desses sistemas, algo que não é simples de ser criado por quem tem um conhecimento menos profundo. Eu não sei se, assim como no livro de Hackett, esse também tem uma ideia de propaganda; acredito que não.
Os autores são professores, especialistas em suas áreas e já escreveram livros de não-ficção sobre o assunto, o que dá uma grande credibilidade ao conjunto. Ainda assim, eu não gostei do ritmo da história. Não é uma leitura fluida, como nos livros do Tom Clancy. Mas acho que tenho que lê-lo de novo.
Os três livros merecem ser lidos. O de Hackett é uma projeção bastante realista de como a OTAN visualizava um conflito com o Pacto de Varsóvia no início da década de 1980. O livro de Tom Clancy dispensa quaisquer apresentações. Ainda que apresente algumas situações forçadas, é um livro de ficção, escrito por um autor com grande conhecimento técnico,tático e das tradições militares e que prende o autor do início ao fim. Ambos falam de um passado recente, que não vai mais acontecer. O livro de Singer e Cole é uma excelente referência de como uma guerra atual ou num futuro próximo pode ocorrer, incluindo o espaço cibernético, insurgências e conflitos híbridos.
Marcus Piffer é o autor do prestigiado blog "Vôo Tático".
Link para a matéria original no blog:
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