segunda-feira, 3 de abril de 2017

Uma análise das Operações aéreas do Exército Brasileiro em helicópteros durante o período crítico do crepúsculo


Por: Ronaldo Diniz
Sabe-se que a continuidade das operações aeromóveis são essenciais no combate moderno em que mais e mais Forças de Superfície necessitam de apoio de frações de helicópteros. Sendo assim, imagine os casos a seguir:

1) Uma incursão aeromóvel onde, por razões táticas, é impositivo a decolagem de uma fração de helicópteros momentos antes do por do sol e pouso em uma área não preparada 20 ou 30 minutos após o por do sol;
2) Escolta aérea de um comboio, em ambiente urbano, realizada durante a madrugada, momentos antes do sol nascer; e
3) Vigilância aeromóvel em que seja necessário a longa manutenção do esforço aéreo, passando do período diurno para o noturno.
Os casos anteriores exemplificam situações plenamente factíveis dentro de um quadro tático de emprego da Aviação do Exército (Av Ex). Os helicópteros, para cumprir as missões impostas, teriam que transpor do período diurno para o noturno ou vice-versa, cruzando o que se convencionou chamar de Período Crítico Crepuscular. Atualmente, as operações aéreas de combate estão limitadas principalmente por restrições meteorológicas (teto e visibilidade). Contudo, quando se trata de operações noturnas com Óculos de Visão Noturna (OVN), além da meteorologia, existe mais um componente restritivo à operação, a iluminação.

A maioria dos OVN utilizados pelo mundo, incluindo os da Av Ex, são equipamentos passivos de intensificação da luz residual (necessita iluminação mínima) que ao serem acoplados no capacete de voo, permitem aos tripulantes ver o terreno e conduzir o voo visual a baixa altura durante a noite. Dessa forma, poderia se pensar que, desde que as condições meteorológicas permitam, seria possível manter a continuidade das operações aeromóveis, passando do voo diurno para o noturno, simplesmente realizando a configuração, em voo, para uso dos OVN. A prática nos mostra, no entanto, que as coisas não são tão simples assim.
Visão do terreno pelas lentes de um OVN. Foto: CPC 2015.
Os OVN possuem duas funções extremamente importantes para o seu funcionamento: o Controle Automático de Brilho (ABC - sigla em inglês) e a de Proteção Contra Iluminação Intensa (PMC - sigla em inglês). A primeira garante que em um ambiente com grande iluminação os óculos ajustem o brilho da imagem para garantir a melhor visualização dos contrastes. Obviamente, esse recurso tem um limite e é aí que reside a importância da segunda função, ou seja, proteger o equipamento quando este for exposto a um ambiente excessivamente iluminado. 
Esses dois mecanismos, fazem com que os óculos ao serem expostos a tais ambientes percam a capacidade de fornecer uma imagem clara do terreno e dos obstáculos, chegando a obscurecer a visão externa do tripulante. Esse fenômeno pode ocorrer após o por do sol ou antes do nascer do sol, quando o sol provê iluminação residual capaz de influenciar o sistema de controle de brilho dos OVN (AN/AVS-6 e AN/AVS-9), impedindo o seu uso e, ao mesmo tempo, fornecendo pouca iluminação residual capaz de permitir ao olho humano identificar detalhes importantes do terreno ou do inimigo, interferindo sobremaneira na continuidade da missão aeromóvel, o chamado Período Crítico Crepuscular.
Aeronave AS350L1 - Esquilo (HA-1) realizando voo em ambiente com iluminação crepuscular. Foto: CPC 2015.

Com o objetivo de tentar determinar melhor os efeitos deste período para as operações aéreas, o CIAvEx iniciou estudos a respeito das influências da luminosidade do sol ocasionada pelo crepúsculo solar no voo visual com OVN. Nestes estudos foram realizados dois voos que serviram como base experimental cujo objetivo principal seria responder as seguintes questões:
1)  Qual o Período Crítico Crepuscular?
2) Qual a influência dessa condição para a continuidade das missões de voo?
O primeiro voo foi realizado em ambiente urbano na região de Itu - SP com o objetivo de coletar dados sobre a influência do crepúsculo quando o voo é realizado sobre regiões iluminadas. No segundo, foi escolhido o setor sul de Taubaté - SP com vistas a identificar as mesmas influências sobre uma região pouco iluminada. Em ambos os voos as condições meteorológicas permaneceram estáveis e sem nuvens significativas que pudessem influenciar na iluminação solar.
Foi estabelecida uma ficha de observação onde continham quatro dados que cada tripulante teria que preencher a cada cinco minutos de voo conforme sua percepção visual do terreno e obstáculos, e sua avaliação quanto à segurança para aproximação e pouso. As observações se deram desde 15 minutos antes do por do sol até o momento em que seria possível o uso contínuo e sem restrições do OVN após o por do sol.
Para tal, foi estabelecida uma altura de segurança do terreno de 1000 pés AGL em área reconhecida e utilizado, como fonte para o planejamento e levantamento de dados, o software Solar Lunar Almanaq Prediction (SLAP) utilizado pela Aviação do Exército dos Estados Unidos da América. Exemplo de predição de luminosidade do sol feita no SLAP.

Exemplo de predição de luminosidade do sol feita no SLAP. 

Ao término do experimento foi observado o seguinte:

1)  Até dez minutos após o por do sol, o voo pode se dar sem quaisquer restrições. É possível realizar pouso com máxima cautela;
2)  A partir de dez minutos após o por do sol, ainda não era possível utilizar o OVN, porém já se observou ligeira degradação de detalhes do terreno. Dificuldade em observar antenas e fios com risco médio para aproximação a pouso em áreas não reconhecidas;
3)  A partir de 15 minutos após o por do sol, ainda não era possível utilizar o OVN. Grande dificuldade em ver detalhes do terreno e obstáculos tais como torres, postes, fios, inclusive de alta tensão. Alto risco para aproximação e pouso, mesmo em áreas reconhecidas devido a dificuldade em se avaliar distâncias e alturas. Necessário uso de faróis para segurança;
4)  A partir de vinte minutos após o por do sol, já foi possível configurar o OVN desde que a aeronave se mantivesse aproada na direção oposta ao sol poente (azimute geral 300o) a nascente da lua (azimute geral 100o);
5)  Somente a partir de 25 minutos (área iluminada) e trinta minutos em área não iluminada foi possível utilizar o OVN sem qualquer restrição advinda da iluminação residual do sol; e
6)  Quando o voo foi realizado sobre área iluminada, percebeu-se que, após o período crítico, as luzes da cidade se acendem iluminando toda a superfície. Em função disso, a utilização do OVN pode ser antecipada já que o mecanismo de controle de brilho dos óculos passa a usar a iluminação da cidade (mais clara que o céu crepuscular) como referência para seu ajuste. Esse fenômeno não ocorreu no voo sobre área não iluminada, já que a luz do sol, após o crepúsculo, permanece mais tempo interferindo no sistema de controle de brilho.
Tabelas de iluminação fornecidas pelo SLAP.

Tabelas de iluminação fornecidas pelo SLAP.

Conclui-se por fim, que o PERÍODO CRÍTICO CREPUSCULAR, nas condições propostas para experimentação, constitui-se de aproximadamente trinta minutos após o por do sol. Período em que o sol esteve entre 0o e -6o (FCVN) de inclinação, fornecendo luminosidade menor que 400 lux. Além disso, a luminosidade residual deste período impôs restrições ao voo e pode influenciar negativamente na continuidade das operações aéreas.
Observou-se também que, aproximadamente entre -3o e -4,5o de inclinação do sol ou dez a 25 minutos após o por do sol, constitui-se o período mais crítico de operação, pois não é possível realizar operações seguras a baixa altura sem OVN, nem é possível o seu uso.
Sendo assim, caso seja necessária a continuidade das operações, ultrapassando os limites do por do sol, propõem-se que:
1) Caso a situação tática permita, manter-se o voo reto e nivelado em altitude segura, acima dos obstáculos conhecidos, até que o período crítico crepuscular seja ultrapassado;
2) Não planejar a realização de substituições no período crítico; e
3) Não realizar aproximações e pousos durante esses períodos. Planejar que sejam efetuados antes ou após.
Apesar de não ter sido experimentado, acredita-se que as condições observadas possam ser análogas para o período que antecede o nascer do sol, porém é necessário fazer experimentações naquelas condições. ♠
FONTE: Revista Pegasus (CIAvEx)
Nota da Redação: 
O autor do artigo, Srº Ronaldo Diniz, é Major da arma de Infantaria tendo se formando junto a turma de 1997 da Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), ele exerce a função de chefe da Divisão de Doutrina e Padronização (DDP) do Centro de Instrução de Aviação do Exército, é piloto instrutor de voo e possuidor do Estágio de Voo com Óculos de Visão Noturna (OVN).

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