Por: Redação OD
Aos 90 anos, o Tenente-Brigadeiro e
ex-ministro do Superior Tribunal Militar (STM), Cherubim Rosa Filho, fala como
um jovem geek sobre cenários - em que aviões controlados à distância e sistemas
sofisticados dominarão as atividades de uma força aérea do futuro. Esse futuro
novo e desconhecido, movido a alterações vertiginosas provocadas pela
tecnologia a cada dois anos gera incertezas que, segundo ele, são as
responsáveis pelo “medo” causado nas pessoas diante de mudanças.
O oficial-general é defensor das medidas
que buscam racionalizar a aplicação dos recursos, cada vez mais escassos no
orçamento da Força Aérea Brasileira - que se vê diante de equipamentos
sofisticados e caros para cumprir sua missão. Na entrevista, ele relembra as
polêmicas geradas na metade dos anos 60, quando uma grande reforma
administrativa foi implantada na instituição com o objetivo de profissionalizar
a atividade.
O senhor entrou na Força Aérea
Brasileira em 4 de abril de 1945 e acompanhou praticamente o nascimento da
instituição, e hoje a FAB se vê diante de desafios, de se reinventar para o
futuro. O que o senhor tem a dizer sobre esse momento?
Eu acompanhei o crescimento da FAB: tinha 18 e ela, 4 anos. Crescemos
juntos, respiramos o mesmo ar, transpiramos o mesmo suor, até que ela cresceu e
se tornou profissional. É a FAB que eu acompanhei a minha vida toda. Eu costumo dizer o seguinte: para julgar a história, tem que vestir a roupa da
época, porque é muito fácil você dizer que Napoleão foi derrotado por Welington
em Waterloo, mas aconteceram fatos. Choveu muito e ele não pôde movimentar as
peças de artilharia. Tinha o General Ney, que derrotou os prussianos, mas foi
em frente, os prussianos voltaram, deram uma carga e derrotaram Napoleão.
Nós temos que ver o que aconteceu com a Força nesse tempo todo. Primeiro, eu
tenho uma admiração tremenda por aqueles que começaram a FAB, porque o início é
difícil. E naquele momento, em situação de guerra, eu acho que os antecessores
fizeram o que era possível fazer, da melhor maneira, naquela época. Eu costumo
também dizer que, hoje, nós não faríamos o ITA [Instituto Tecnológico de
Aeronáutica], mas também não quer dizer que vamos fechar. Nós teríamos que
mudar o esquema, porque hoje nós temos a Unicamp, USP... o Brasil é outro. Então, essa evolução que a instituição está fazendo, esse projeto de futuro, de
100 anos, é muito salutar, porque você não pode ficar estático durante 70 anos.
O senhor considera adequado haver uma
reestruturação no cenário atual?
A crise obriga você a racionalizar, do
contrário, não sobrevive. E sempre tem o lado bom da crise. Por que é que eu
vou ter 28 especialidades em Guaratinguetá? Tem alguma coisa errada, não é
possível. O Brasil é outro. Hoje você tem USP, Unicamp.... Por que é que eu vou
formar? Para ficar com esse homem a vida inteira? Então a FAB está indo bem
nesse ponto, com o temporário.
Também tem a questão da saúde, a medicina encareceu muito. Teria que fazer
algumas modificações. Acabar com esse negócio de ser autossuficiente. Aqui em
Brasília tem o HFA [Hospital das Forças Armadas] e mais três hospitais, um de
cada força. Primeiro que o Ministério da Defesa tem que dizer o que quer do
HFA. E depois a Aeronáutica se especializa em duas, três áreas, o mesmo para a
Marinha e o Exército. E outra coisa. Você pega um Diretor de Saúde experiente, mas ele passa o dia
inteiro despachando. Tem que estar andando pelo hospital, vendo paciente, vendo
o que está errado no hospital.
O médico, diretor de saúde, não tem que
estar despachando... O aviador também?
O aviador também. Cada um na sua
especialidade. E o que é especialização? É você saber cada vez mais sobre
menos. Eu não tenho dúvidas de que essa é uma solução: um currículo básico e
depois ele faz especialização. E não pode estar voando todos os tipos de avião.
Isso era na minha época, quando se voava todos os tipos de avião. O senhor acredita que há a necessidade de uma mudança de cultura? As pessoas
foram se acomodando, se burocratizando? Isso é uma tendência de todos nós. Você
tem que se autopoliciar, caso contrário você fica dentro de uma sala o dia
inteiro. Não sai dela. Porque é telefone, é assina aqui, é assina ali. E essa
concepção da Ala, é para liberar mesmo [os militares operacionais das
atividades burocráticas].
Voltando para o passado, o senhor vivenciou outras
mudanças da FAB?
Por volta de 1967, com a reforma administrativa, o
Ministro Márcio [Marechal do Ar Márcio de Sousa Melo, duas vezes Ministro da
Aeronáutica] fez uma reforma muito grande na FAB. Qual foi o espírito dessa
reforma? Ele pegou do Estado-Maior, antigo A1, transformou em COMGEP [unidade
de pessoal]; o A2 em Cisa [unidade da inteligência], o A3 em COMGAR [unidade
operacional], A4 em COMGAP [unidade de apoio] e A5 em aviação civil.
Quando o oficial-general chegou à FAB, lutava-se na Segunda Guerra |
Só que ele
criou um grupo de trabalho composto por coronéis, e isso não foi divulgado.
Então, os Brigadeiros ficaram, vamos dizer assim, revoltados porque não foram
consultados. E essa reforma, na realidade, que criou o COMGEP e os outros
Comandos todos, ela cresceu na cabeça, mas ficou quase sem perna. Então, quando veio essa reestruturação de agora, que prioriza nossa
atividade-fim, eu acho isso de suma importância. É por isso que eu adotei
defender, pois parte da premissa de que prioriza a atividade aérea e nós vamos
simplificar.
O senhor foi responsável por alguns
processos de mudança por que passou a Força ao longo de sua história, como a
extinção dos destacamentos que davam apoio à atividade aérea. Como foi?
Na época do Correio Aéreo Nacional, nós tínhamos que fazer várias
escalas durante um voo. Surgiram os destacamentos, com o objetivo de dar apoio
a uma aeronave que pousava lá por questão de autonomia. Passaram-se alguns
anos, eu estava no COMGAR [antigo Comando-Geral de Operações Aéreas], já haviam
criado os CINDACTA [Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego
Aéreo], e eu disse: vamos acabar com os destacamentos. Isso porque a nova
estrutura dispensava a necessidade do pessoal que ficava no rádio, dando apoio.
Quase me mataram. Houve uma resistência danada, mas nós conseguimos.
Atualmente há resistências por conta de
mudanças de unidades, mudanças de nome ou mesmo desativações. Como o senhor vê
essa questão?
Eu sou favorável que determinados
locais, você saia deles. Por exemplo, Fortaleza, Recife. E até Salvador,
Florianópolis. Nós já perdemos. Não tem mais interesse. Aí chega o companheiro
e diz: “Não, mas nós temos terrenos ali”. Não tem nada nosso, é tudo da União,
nós estamos administrando. A União tira de nós se tiver interesse. Então não
tem que deixar, eu acho, um hangar com cem pessoas porque vai dar despesa. Então
voltando ao problema de orçamento: não vão aumentar muito o nosso orçamento. E
tudo está ficando muito caro.
Nesse contexto, como fica o
financiamento da FAB?
Você tem que ser realista. Existe um
grande problema nos países em desenvolvimento onde são feitas comparações
ilógicas. "Porque vou investir em Forças Armadas se eu posso construir 200
hospitais, 200 casas?". Qualquer país que tem Ministério das Relações
Exteriores tem que ter força militar, nem que seja para dissuasão. Senão você
vira uma republiqueta como está cheio por aí.
Como o senhor avalia o fato de a FAB
estar tentando se reinventar frente a outros órgãos e forças aéreas?
Nós não temos que ter uma força aérea de primeiro mundo. Nós temos que
ter uma força aérea adequada à América do Sul, que é onde nós vivemos. Não
adianta eu querer ser OTAN. Nós temos que ter uma Força Aérea adequada ao
Brasil.
Sobre a atividade aérea, o senhor voou
tanto na aviação de caça quanto em bombardeiros. Hoje, a FAB se prepara para
receber o Gripen NG, uma aeronave de combate multimissão. O que tem que mudar?
Primeiro tem que mudar a cabeça, que é parte mais difícil para todo
mundo. Eu acho que a FAB está fazendo certinho. Está indo o pessoal lá para a
Suécia, para adquirir conhecimento em um país que tem tradição. O piloto, hoje,
é diferente da minha época. Aviador, na minha época, era habilidade, como uma
pessoa que toca música, ou que escreve bem ou que canta. Era assim, era uma
vocação, e uma habilidade que nem todos tinham. Hoje, não. Hoje, o piloto é um
gerenciador de sistema.
Há uns quatro anos, houve uma [cerimônia de] promoção de capitão para major e
me convidaram. Foi dito que eu tinha nove mil horas de voo. Mas, essas 9 mil,
na realidade de hoje, valem três mil, porque é muito mais hora profissional.
Porque era habilidade; hoje não. Hoje é cabeça, porque piloto de combate vai
acabar. Você vai sentar num console com dois caras aqui do lado. Esse aqui diz
“o objetivo é destruir aquela represa”, o outro diz “o objetivo é destruir essa
represa com esse armamento” e eu comando.
Em 1989, quando assumiu o cargo de ministro do STM, o senhor disse que
“devemos estar atentos para que as soluções encontradas representem a
modernização e a adequação à Carta Magna de 1988”. Isso foi alcançado?
Se a
gente não defender a Constituição, perde a base. E militar tem que defender a
constituição. Tem que entender a época e vestir a roupa da época.
FONTE: CECOMSAER Fotos: Cabo André Feitosa
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