domingo, 11 de setembro de 2016

Controle de avarias (CAv); No mar, todos são Bombeiros! 01/02


Por:Yam Wanders.

Qualquer embarcação seja civil ou militar tem seu time de CAv, ou, "Controle de Avarias", que entre toda a tripulação do navio serão aqueles a efetuarem uma série de ações específicas para controlar e neutralizar eventos que coloquem em risco a operação e navegação/flutuabilidade segura da embarcação caso o princípio de dano/fogo não seja inicialmente debelado por aqueles que o detectam e/ou o encontram primeiro. As ações são as mais diversas no que se concerne ao CAv, e uma das mais importantes e difíceis é o combate à incêndios, devido as características da maioria das embarcações, com seus compartimentos diversos com tamanho dos mais variados, alguns chegando a ser verdadeiros espaços confinados. 




A detecção inicial nos primeiros 5 minutos é o que faz a diferença entre conter um foco de fogo em desenvolvimento e o combate a um incêndio que eventualmente pode sair do controle e causar danos irreparáveis ao navio com a possibilidade de perdas humanas.

Tática de uso eficaz de extintores de classes variadas para debelar o fogo em seu estágio incial bem como efetuar o rescaldo em cada ambiente específico sem gerar maiores danos é um dos objetivos do treinamento.

Uma das questões iniciais sobre a doutrina de segurança e controle de avarias é como funciona o sistema de prevenção de combate ao fogo à bordo das embarcações mais modernas e as ações iniciais desse combate ao incêndio.
Atendendo a uma série de regulamentações internacionais, no Brasil tudo o que toca a segurança e respectivamente a prevenção e combate à incêndios em embarcações e outras especificações de segurança e salvatagem, são  regulamentadas pelas "Normas da Autoridade Marítima Brasileira" ou simplesmente "NORMAM", pelo "Manual de Combate à Incêndio" CBINC D-001 e pelo "Livro de CAv" específico de cada embarcação. Existe ainda uma diversidade de cursos e/ou especializações que são oferecidas pela Marinha do Brasil aos seus integrantes , e um dos que se destaca é o "Curso de Fiel de Cav" entre muitos outros desenvolvidos pela Marinha do Brasil. Recomendamos a consulta dos mesmos em caso de dúvidas mais específicas e para maior abrangência de conhecimentos aos profissionais que desejam se aprofundar no tema.


Na foto: Uma equipe de ataque "Alfa", que são os primeiros a eventualmente detectar o fogo em sua fase inicial e que darão o combate com os extintores de incêndios adequados ao local e equipamentos presentes.  Para maior realismo do treinamento é utilizado um gerador de fumaça de óleo de glicerina, semelhante aos usados em shows.
Guardas Marinhas participando atentivamente das instruções do exercício de CAv à bordo do NDCC G-25 "Almirante Sabóia" durante a perna de ida para a Ilha da Trindade. Extintores deixados na posição horizontal são o sinal que os mesmos já foram utilizados, e devem ser retirados do local por outros tripulantes que não estejam empenhados na faina do combate ao fogo.

A prevenção
Nessa planta do NDCC G-25 "Almirante Sabóia", podemos ver claramente a sistemática de compartimentação da embarcação, sua divisão de áreas para melhor equilíbrio do trabalho de um eventual combate à incêndios, com as especificações e localizações de todos os sistemas de detecção, extinção automática e equipamentos manuais de combate ao fogo e comunicação interfônica. Cada andar e em todos os locais de grande circulação há plantas como essa, inclusive nas cabines, tudo pra que mesmo em dias de rotina os tripulantes possam constantemente ver e rever tudo o que está disponível no navio para uma ação eficiente.
No tocante a prevenção, o navio segue e aplica especificações muito rígidas quanto a avaliação de riscos potenciais para cada tipo de embarcação, suas finalidades de usos e; para cada embarcação em específico, existe uma planta técnica que detalha o que cada compartimento do navio terá como sistema de detecção de incêndio, os acessórios de extinção automática e os acessórios e equipamentos  manuais de combate ao fogo para a particularidade de risco de cada local. Todos os equipamentos de detecção eletrônica são ligados a mais de uma central de detecção e alarme assim como câmeras de vigilância monitoradas as 24h pelas equipes de serviço.

Porém o equipamento mais valioso que a Marinha possui é o a qualidade de seus recursos humanos, com a atenção aos detalhes, a conscientização constante e mútua entre os tripulantes para a prevenção, e, a certeza da proatividade em caso de sinistros iminentes ou já em curso. Atualmente a grande maioria dos materiais que são usados na construção de embarcações é resistente ao fogo e não propaga chamas, bem como a doutrina de carregamento de cargas perigosas que segue todos os padrões internacionais de segurança.
Em todas as cabines e em muitos outros locais existem plantas do navio, com a descrição de rotas de fugas, localização dos acessos aos botes salva-vidas bem como todo o aparato de combate ao fogo automático e manual. Estão também disponíveis os capuz anti-fumaça ou EEBD-Emergency evacuation breathe device. Todos os macacões e luvas do uniforme da tripulação são confeccionados em tecido resistênte a chamas e arco voltaico.

O Exercício de CAv à bordo do G-25

No caso de embarcações que possuem convôo ou deck de pouso, são realizados exercícios de CAv específicos somente para as operações com as aeronaves que irão operar embarcadas com o respectivo navio, incluíndo-se nesse exercício, todos os procedimentos de abertura convencional e forçada de cada aeronave em operação bem como os procedimentos de incursão e extricação* de vítimas da aeronave. Obviamente todo exercício é acompanhado também do treinamento específico de primeiros socorros e remoção da vítima do local para o hospital ou enfermaria do navio.

*Extricação é um termo muito utilizado em resgate, salvamento e medicina pré-hospitalar em geral. Extricar significa: "retirar uma vítima de um local do qual ela não pode, ou não deve sair por seus próprios meios". Rolar uma vítima para a prancha longa, instalar um KED ou um colar cervical são manobras de extricação

Nos exercícios de CAv que acompanhamos à bordo do NDCC G-25 "Almirante Sabóia", vamos ilustrar a seguinte sequência de ações:

O exercício é dividido nas ações de três turmas principais:

01/03: Ataque, que é a primeira equipe ou grupo de tripulantes que chega ao local do incêndio ou avaria do jeito que estiver, efetua a tentativa inicial de extinção ou controle do incêndio e estabelece a linha de mangueiras para o combate inicial;

02/03: Suporte alfa, rende a equipe ataque com macacão operativo e máscara/EPI de proteção respiratória e permanece combatendo fogo até ser rendida pela equipe principal;

03/03: Suporte bravo, time já está vestido com o uniforme completo para o combate ao fogo. Capuz e luvas antiflash, botas de aproximação, capacete "Gallet" ou "MSA" com lanterna, roupa de aproximação, máscara "Draguer" ou "MSA" e cilindro de ar comprimido respirável com 30 minutos de duração (PA -Proteção autônoma ou ERI - Equipamento de respiração individual; os termos usados variam para os Bombeiros de terra e outras instituições, mas o equipamento é o mesmo variando somente o fabricante).


Na foto vemos a ação de transição de um combate ao fogo com meios manuais, passado do uso de extintores portáteis para o uso de mangueiras acopladas ao sistema de água sob pressão com auxílio de bombas mecânicas posicionadas em locais estratégicos da embarcação. Nessa fase, a atenção deve ser redobrada para evitar o uso em excesso de água, pois a cada um litro de água em um ambiente a mais de 100 graus celsius, teremos pelo menos 1700 litros de vapor em alta temperatura que é tão letal quanto o fogo.

Resumo tático na prática

Conversando com todos os envolvidos na organização do exercício de CAv à bordo do NDCC G-25 "Almirante Sabóia" chegamos a um check-list prático de 8 ações básicas a serem adotadas em caso de ocorrência de incêndio à bordo.

1- Todo princípio de fogo pode e deve ser extinto em seus primeiros minutos o mais rápido possível. Prontidão e ações corretas são essenciais à uma ação eficaz.

2- Detectado o foco de incêndio o alarme deve ser acionado e a "Ponte de Comando" avisada imediatamente. Se o navio estiver no porto, as autoridades portuárias devem ser alertadas para fornecer o devido apoio.

3- Todos os tripulantes devem estar aptos ao uso dos extintores e suas respectivas aplicações para os diferentes tipos de materiais e incêndios, sempre salientando a atenção de não usar extintores de água ou espuma em equipamentos elétricos energizados ou não.

4- Nunca abrir portas, janelas ou escotilhas que aumentem o fluxo de ar para o interior de compartimentos com fogo, pois o fluxo de ar alimenta o fogo de oxigênio e promove sua propagação e intensidade.

5- Sendo possível, todo material combustível e/ou inflamável deve ser retirado da proximidade do fogo.

6- Se um compartimento ou cabine começar a sofrer infiltração de fumaça, abandone o mesmo o mais rápido possível, sempre agachado ou andando de joelhos, usando os CAF/Smoke Hoods (capuz anti fumaça ou do inglês EEBD - emergency escape breathing devices). Lembre-se sempre que mesmo com pouca fumaça, em casos de incêndios existe a possibiidade de emanação de gases tóxicos diversos que são incolores e inodoros.

7- Após a extinção do fogo, manter o nível de atenção e mobilização no resfriamento dos compartimentos afetados para evitar uma possível re-ignição.

8- Nenhuma pessoa deve entrar sem equipamento individual respiratório em um ambiente que sofreu incêndio, mesmo que não haja mais risco de re-ignição, devido à possível presença de gases tóxicos ainda em suspensão, ventilação adequada deve ser usada sempre para a exaustão de fumaça e gases nos ambiêntes sinistrados.

Obs: A descrição da parte envolvendo operações no flight deck continua na próxima matéria.

Confiram as melhores imagens do Exercício de  Cav à bordo do NDCC G-25 "Almirante Sabóia" durante o deslocamento para a Ilha da Trindade na missão ProTrindade VI/2016.


Incursão de uma equipe de suporte "ALFA", que obrigatoriamente usa equipamentos individuais de respiração com máscara full face, também conhecidos como PA (proteção autônoma), com ar respirável sob pressão que garante en torno de 30 minutos de respiração ao utilizador.

Chegada de uma equipe "BRAVO", estes tem até 8 minutos para chegar ao local já equipados e com outros equipamentos mais pesados caso o foco de incêndio fuja ao controle do combate inicia e eventualmente exista a necessidade de uma busca de vítimas inconscientes que tombem nos primeiros momentos de combate ao incêndio.



O duto laranja que está sendo manobrado na foto é parte de um ventilador tático para exaustão de fumaça, chamado na Marinha de "Sirocco".

Devido a dificuldade de falar e ouvir em ambiêntes com elevado barulho, a comunicação por gestos é fundamental para a segurança, assim como a re-checagem visual dos equipamentos individuais dos colegas em ala no combate.


Após o fim do exercício, a tradicional foto comemorativa! Bravos, sua vida a nossa lida!


Nessa imagem, uma equipe "ALFA" efetua sua simulação de ataque com duas linhas de mangueiras, o local utilizado nesse momento do exercício é o "Tank Deck" do navio, onde além de cargas, existem vários compartimentos de acessos aos locais que possuem maiores riscos de incêndios e danos à capacidade operacional do navio.

A atenção especial para o posicionamento adequado de linhas de mangueiras evita seu enlaçamento, dobras e a protege do contato com outros meios e materiais que possam causar eventuais danos.

Procedimento de adição de espuma mecânica AFFF (Aqueous film forming foam ou líquido gerador de espuma mecânica), que tem a ação de extinção do fogo decorrente de líquidos inflamáveis como óleos combustíveis e querosene.


Chegada de uma equipe "BRAVO" para apoio.