Por: Daniel Mendes Aguiar Santos
O
complexo cenário contemporâneo evidencia a necessidade de uma Força
Terrestre (F Ter) capaz de enfrentar ameaças difusas e
condicionantes, como o enfrentamento de forças irregulares robustas,
a atuação em espaço de batalha não linear, a atuação em
ambiente interagências, o incremento da proteção (individual e
coletiva), a condução de operações de informação, as ações no
espaço cibernético, a proteção de civis, entre outras.
Assim,
a partir de 6 de setembro de 2013, a Portaria n.º 197, do
Estado-Maior do Exército, aprovou as Bases para a Transformação da
Doutrina Militar Terrestre, documento que passou a orientar a
introdução de fundamentos e de concepções doutrinárias, a fim de
incorporar capacidades e competências necessárias à atuação no
século XXI. Em 2014, a Doutrina Militar Terrestre (DMT) colimou um
conjunto de valores, conceitos e táticas para orientar o preparo dos
recursos humanos e dos meios da F Ter.
Nesse
contexto, o Exército Brasileiro (EB) acolheu a sistemática da
geração de forças por meio do Planejamento Baseado em Capacidades
(PBC), percebendo capacidade como a aptidão requerida a uma Força
ou Organização Militar para que possa cumprir certa missão ou
tarefa. Para a obtenção de uma determinada capacidade, deve-se
promover a sinergia entre sete fatores: Doutrina, Organização,
Adestramento, Material, Educação, Pessoal e Infraestrutura
(DOAMEPI). Entre as capacidades elencadas para a F Ter, encontramos a
efetividade na doutrina militar e a projeção internacional em apoio
à política exterior do País.
Sob
esse prisma, após treze anos de presença no Haiti, no momento em
que as condições de segurança se estabilizaram e a ONU estendeu,
pela última vez, o mandato da Missão das Nações Unidas para a
Estabilização no Haiti (MINUSTAH), o EB iniciou a desmobilização
dos seus integrantes que atuam na Ilha Hispaniola. Portanto, torna-se
oportuna breve reflexão acerca do legado dessa atuação para a DMT.
Estabelecida em 2004, a MINUSTAH empreendeu esforços na obtenção
de um nível de segurança que permitisse o funcionamento das
instituições e o desenvolvimento daquele país, contando com o
componente militar liderado pelo EB. Nesse sentido, fruto do preparo
e do emprego de 26 contingentes, observam-se influências e
contribuições para as capacidades acima destacadas, segundo os
seguintes aspectos do DOAMEPI:
-
Doutrina: é a base para os demais aspectos, materializada por
produtos doutrinários. Nessa perspectiva, o emprego da MINUSTAH
demandou ação ao longo do espectro conflitivo, alternando cenários
de crise e de paz instável. Assim, implicou na combinação de
atitudes por parte dos contingentes, incluindo ações defensivas,
ofensivas e de estabilização. Dessa forma, contribuiu com a DMT na
concepção do conceito operativo do Exército - Operações no Amplo
Espectro.
-
Organização: é expressa pela estrutura organizacional dos
elementos de emprego da F Ter. Nessa conjuntura, em face das inúmeras
demandas vividas no Haiti, configuraram-se as estruturas denominadas
BRABATT (Brazilian Battalion) e BRAENGCOY (Brazilian Engineer
Company), com destaque para a adição de um segundo BRABATT, em
virtude da crise humanitária advinda do terremoto de 12 de janeiro
de 2010. Tal experiência contribuiu para que a DMT adotasse a
organização com base nas características Flexibilidade,
Adaptabilidade, Modularidade, Elasticidade e Sustentabilidade
(FAMES), buscando resultados decisivos por meio do emprego gradual e
proporcional à ameaça.
-
Adestramento: trata das atividades de preparo, segundo programas e
ciclos específicos. Com isso, influenciado pelo compromisso com a
MINUSTAH, em 2005, o EB criou o Centro de Instrução de Operações
de Paz (CI Op Paz), com a finalidade de conduzir o preparo dos
contingentes. Já em 2010, o Ministério da Defesa ampliou o encargo
do CI Op Paz para a preparação de civis e militares, brasileiros e
de nações amigas, evoluindo para Centro Conjunto de Operações de
Paz do Brasil (CCOPAB), consolidando-se em um centro de adestramento
de excelência mundial.
-
Material: compreende todos os materiais e sistemas para uso na F Ter.
Nessa ótica, as operações no Haiti trouxeram a otimização do uso
de armamento não letal, fruto das limitações para o uso da força
e da densidade de civis no ambiente. Além disso, com o intuito de
preservar o bem-estar físico dos militares, ampliou-se o emprego de
equipamentos de proteção individual, de plataformas blindadas e de
sistemas adicionais de blindagem, como a proteção blindada do
motorista (PBM) e a proteção blindada do atirador (PBA), aplicadas
nos Veículos Blindados de Transporte de Pessoal (VBTP) Urutu, o que
contribuiu para maior abrangência da função de combate e proteção
na Doutrina Militar Terrestre (DMT).
-
Educação: refere-se às atividades de capacitação e habilitação
destinadas ao desenvolvimento do militar quanto à competência
requerida. À luz desse conceito, o emprego na MINUSTAH promoveu a
exposição ao ambiente multinacional, sob a égide da ONU,
demandando: capacidade linguística para a coordenação das
operações, compreensão do Direito Internacional dos Conflitos
Armados (DICA) para o devido uso da força e liderança militar
continuada. Tal cenário influenciou a DMT, uma vez que fomentou o
ensino de idiomas e implicou na inserção do DICA na instrução
militar, criando melhores condições para a projeção internacional
de poder.
-
Pessoal: abrange todas as atividades relacionadas aos integrantes da
Força, nas suas diversas funcionalidades. Nesse ponto de vista, o
emprego de cerca de 37.500 militares na MINUSTAH propiciou
oportunidade de habilitar homens e mulheres do Exército Brasileiro
para atuar no amplo espectro, em cenários voláteis e imprevisíveis.
Logo, a experiência gerou massa crítica capaz de operar com
adaptabilidade, requisito crucial à DMT para o uso da força no
presente século.
-
Infraestrutura: engloba instalações físicas, equipamentos e
serviços que geram suporte à utilização e ao preparo dos
elementos de emprego. Nesse caso, o desdobramento no Haiti durante 13
anos criou a demanda de otimizar a mobilização e o fluxo logístico
na Força Terrestre. Essa situação influenciou a criação da Base
de Apoio Logístico do EB e, mais especificamente, levou à ativação
da Célula Logística de Apoio ao Contingente do Haiti (CLACH),
liderada pelo Comando Logístico (COLOG), aprimorando a perspectiva
das características FAMES, mencionadas acima, no âmbito da Doutrina
Militar Terrestre.
Por
fim, observa-se que o emprego do Exército na MINUSTAH, além de
contribuir com a construção da paz no Haiti, gerou legado relevante
às capacidades elencadas pela DMT. Isto posto, a atuação do EB em
missões de paz, à medida que mobiliza todos os fatores dos aspectos
DOAMEPI, evidencia-se como oportunidade de multiplicação do poder
de combate em prol das capacidades necessárias à Defesa da Pátria.
Que
venha o próximo desafio!
Fé na missão!
FONTE: EBlog
Nota da Redação: O Autor do texto, Major Daniel Aguiar Mendes Santos Oficial da Arma de Cavalaria, atualmente é aluno do segundo ano do curso Comando e
Estado-Maior da ECEME e doutorando em Ciências Militares no
Intstituto Meira Mattos. Na sua última designação, comandou o 10º
Esqd C Mec, em Recife, PE (2014-2015). No exterior, sob a égide da
ONU, desempenhou as funções de Military Observer e Staff Officer,
no Sudão (2011) e no Sudão do Sul (2012-2103).
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