Por: Redação OD
Com
a experiência de quem atuou como Oficial de Operações do 1º
contingente brasileiro no Haiti, em 2004, e também como comandante
da missão de paz entre 2009 e 2010, o General de Divisão (R/1) Floriano
Peixoto Vieira Neto admite que a intervenção no Rio de Janeiro será
uma tarefa difícil e que é necessário ter um poder de
enfrentamento “igual ou maior” que o do crime organizado no
Estado. Atualmente em Londres, onde atua como pesquisador convidado
do "Brazil Institute na Kings College", o general considera que só o
Exército tem condições de enfrentar a violência no Rio. Confira a
entrevista.
Como
a experiência no Haiti afetou a forma de as tropas brasileiras
atuarem em intervenções urbanas?
Embora
a passagem brasileira no Haiti, por 13 anos, tenha sido fundamental
para aprimorar, nos militares, experiência inédita para operar em
ambientes semelhantes no Brasil, é importante que se diga que o
Sistema de Instrução Militar (utilizado pelo Exército Brasileiro)
já contemplava capacidades semelhantes às que foram empregadas
naquele país, para atuação em ambientes urbanos.
O conceito
operativo do Exército busca a máxima integração entre militares e
civis, que somam esforços no ambiente interagências, considerando a
escala variável de violência. No caso do Rio de Janeiro, com a
dimensão alcançada pelo crime organizado em termos de capilaridade,
aparato bélico, liberdade de ação, cooptação da população,
entre outros aspectos, a atitude operacional das tropas em presença
é a de combate contra forças irregulares. Portanto, é uma
realidade bem mais complexa do que uma simples operação urbana, nos
moldes de Garantia da Lei e da Ordem.
Quais
lições e aprendizados dessa experiência no Haiti devem ser levadas
em conta na intervenção atual no Rio e por quê?
As
tropas foram notificadas com antecedência, após intensa negociação
de seus países com a ONU e, acima de tudo, possuíam normas prévias,
como as Regras de Engajamento e o próprio Mandato. Assim, as tropas
estavam completamente protegidas para atuar, mas isso não lhes
conferia liberdade para aplicar a força além do necessário.A
intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro sinaliza que a
questão de deterioração da segurança regional extrapolou os
limites da Segurança Pública, passando a se constituir um evidente
e gravíssimo problema de Segurança Nacional.
Essa decisão
interventiva deveria trazer, em seu conteúdo, elementos mais claros
que oferecessem às tropas segurança jurídica para as ações que
terão de ser implementadas, como ocorria no Haiti. É preciso,
também, conceder às tropas interventoras um amplo poder de polícia,
para que possam atuar com mais liberdade de ação. Isso seria a
pressuposto lógico para se alcançar aquilo que se pretende. Parece
bastante razoável imaginar que o enfrentamento de gangues armadas
com fuzis, que levam terror aos locais onde vivem e transitam pessoas
do bem, deva ser executado com um poder de enfrentamento de igual ou
maior letalidade, ou corremos o risco de as ações se tornarem
inócuas.
A
operação no Haiti durou 13 anos, foi elogiada inicialmente mas,
depois, foi alvo de questionamentos devido a incidentes envolvendo as
tropas, segundo a ONU. Como evitar que os erros se repitam agora na
situação do Rio?
A
percepção inserida no questionamento não se refere aos
brasileiros, que sempre aplicaram a força dentro do limite
autorizado e necessário. Nosso País é internacionalmente
considerado uma referência em operações de paz, e isso, sem
dúvidas, continuará se aplicando nas participações internas, como
agora no Rio de Janeiro. A questão lógica dessa certeza é de que,
sendo capazes de empreender tarefas dificílimas em território
estrangeiro, soldados brasileiros podem repetir o mesmo feito no
interior de nossas fronteiras, cumprindo a missão que a Constituição
atribui, mesmo que para isso a aplicação extrema da força seja
necessária. Contudo, é fundamental que nossos soldados sejam
plenamente autorizados para exercerem suas funções e que sejam
protegidos por instrumentos jurídicos durante o estrito cumprimento
de suas obrigações profissionais.
No
caso do Rio, a cidade vem sendo palco de intervenções e operações
das forças armadas há anos. O exército é a solução para os
problemas de segurança e corrupção policial do Estado?
A
atuação militar que passa a ocorrer no Rio de Janeiro é bastante
diferente das demais, pois agora o emprego militar atende a uma
intervenção de maior amplitude do que aquela vigorou em outras
situações, como Garantia da Lei e da Ordem (GLO). Vale dizer, esta
opção extrema gera expectativa de que o emprego mais direto da
esfera federal, por meio da expressão militar, possa, em dez meses,
resultar melhorias na situação de segurança do Rio de Janeiro e,
por extensão, no País como um todo. Ou seja, é uma tarefa
extremamente difícil, pela indefinição de certas condições já
expostas e pelo curto prazo estabelecido. Há que se ter em mente que
o Exército não substitui e nem pretende substituir a Polícia. Mas
se a tarefa é atribuída às Forças Armadas, não restam dúvidas
de que, por princípios profissionais, a “missão vai ser
cumprida”, da melhor maneira possível.
O fundamental é entender
que Exército e Polícias estarão juntas para enfrentar um inimigo
comum, com a maior disposição que suas estruturas oferecem, e que,
desse embate, resultarão conseqüências letais na medida do
combate. No momento atual, fica claro perceber que as Forças Armadas
é que dispõem, em melhores condições, de recursos humanos e
materiais adequados para liderar as ações contra o crime
organizado.Essa é uma questão bastante difícil de ser resolvida.
Em um Estado Democrático de Direito, segurança, estabilidade, paz e
ordem devem reger as condições de sobrevivência humana, e dependem
essencialmente da aplicação de esforços da gestão pública, em
todos os seus níveis. A história do Rio de Janeiro não tem sido
bem contemplada com exemplos construtivos, que poderiam ter
contribuído melhor para a segurança pública; o resultado é o caos
atual onde chegamos. Mas resta sempre a esperança de que dias
melhores virão. O tempo responderá melhor essa pergunta.
*Com Informações do Jornal O Globo
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