Por: Armando Luiz Malan Paiva Chaves
O
nome ou, melhor dizendo, o acrônimo ENGESA é muito mais do que o
batismo de uma empresa. É o relato da obra de um empresário
altamente dotado de inteligência, bagagem técnica e cultural,
acurada visão de futuro e aptidão para selecionar valores humanos e
que levou uma modesta firma de fabricação de componentes para
exploração petroleira a se transformar num complexo
industrial-militar, o qual disputou mercados com os maiores e mais
tradicionais produtores de armamentos de alta tecnologia mundiais.
Vencido pela concorrência por justa ambição de crescimento, que
ignorou a ponderação no cumprimento de compromissos contratuais e
bancários assumidos, esse empreendedor mergulhou na inadimplência,
na concordata e na falência. Deixou de existir. Passou a ser uma
história, a contar e lembrar.
Nascimento
e evolução
Em
1958, a ENGESA (Engenheiros Especializados S/A) foi criada por José
Luiz Whitaker Ribeiro. Em 1968, produzia componentes para a
exploração de petróleo e os fornecia a Petrobras. Ao ter seus
caminhões enfrentando estradas de terra e barro para chegarem ao
destino no litoral, desenvolveu, "de motu próprio", uma
caixa de transferência com tração total, aplicada com sucesso em
seus veículos nacionais. Em 1970, o Exército interessou-se em
testar o invento. Aprovado, passou a usá-lo. Na
época, estavam em desenvolvimento no Parque Regional de
Motomecanização, da 2ª Região Militar, os blindados S/R Cascavel
e Urutu.
Convidada, a ENGESA aceitou associar-se à Força Terrestre
e participar do empreendimento. Em 1974, a empresa tomou a iniciativa
pioneira de oferecer à Líbia o blindado Cascavel, com canhão 90
milímetros. Foi um sucesso! A ENGESA começava a crescer com a
exportação. Em poucos anos, vendeu esse blindado a 18 países
localizados no Oriente Médio, na África, na América do Sul e no
Mediterrâneo. Nos
anos de 1980, iniciou o desenvolvimento em computador (hoje, AutoCad)
doEE-T1 Osório, carro de combate (CC) armado de canhão 120
milímetros. Em 1985, a Arábia Saudita convidou Alemanha, Brasil,
EUA, França, Grã-Bretanha e Rússia a levarem seus CC para
demonstração.
O Osório, já testado aqui, foi transportado de
avião ao destino. Teve muito bom desempenho. Em
1986, a ENGESA obteve financiamento de US$ 65 milhões pelo BNDES. No
mesmo ano, assinou contratos com o Exército para grandes
fornecimentos: 40 mil tiros de morteiro; 100 conjuntos de rádio; 51
blindados Urutu; 500 a 600 viaturas de 2 1/2 toneladas;
380 viaturas de 3/4 toneladas e 82 jipes. Apesar do subsídio, os
recursos foram aplicados para a aquisição de fábricas, como a
IMBEL, de Juiz de Fora, bem como para novos desenvolvimentos, como
mísseis e helicópteros, que não chegaram a ser efetivados. O
Exército exigiu e obteve uma Confissão de Dívida, porém, nada do
contratado jamais foi entregue.
Plano
inclinado descendente
Do
exposto, deduz-se que 1986 foi o ano de entrada da empresa no plano
inclinado descendente, que a levaria, mais adiante, à extinção. Em
1987, a Arábia Saudita convocou para segunda avaliação o Abrams
norte-americano, o AMX 40 francês, o Challenger britânico e o
Osório brasileiro, este, mais uma vez, transportado de avião. Pelo
relato dos dirigentes da ENGESA, tudo indicava que seu produto foi o
vencedor do certame. Prova disto é que foi assinado um pré-contrato
para a aquisição de 316 carros de combate, por US$ 2,2 milhões. Em
1989, o Departamento de Estado e o Departamento de Defesa
norte-americanos apresentaram ao Congresso minucioso relatório
defendendo a conveniência de o Abrams ser vendido à Arábia
Saudita, tanto pelo que a fabricação representaria para a indústria
nacional, como pelo que significaria a entrada de um novo fabricante
(ENGESA) no mercado do Oriente Médio. A ação diplomática produziu
seus efeitos e o Abrams foi vendido aos árabes, deixando a ENGESA "a
ver navios".
Nos
anos de 1990, a ENGESA pediu concordata. O Governo brasileiro
autorizou o Tesouro Nacional a conceder à IMBEL NCz$ 30 milhões (de
cruzados novos) para adquirir o acervo tecnológico da ENGESA,
excluído o do Osório. A empresa vendedora teria três anos de prazo
para recompra. Caso isto não ocorresse, o acervo tecnológico do
Osório seria cedido à IMBEL por preço simbólico de NCz$ 1,00. Deduz-se
do parágrafo anterior que os méritos tecnológicos da ENGESA eram
amplamente reconhecidos, seja pelo Exército, seja pelo mais alto
escalão da administração pública. E que a inconsistência de sua
política econômico-financeira vinha sendo severamente avaliada e
mesmo sancionada, como o foi com a aquisição do acervo tecnológico.
Um
Grupo de Trabalho criado na Presidência da República, ligado ao
Gabinete Militar, reuniu representantes do Tesouro, do BNDES e do
Banco do Brasil, para acompanhar a evolução do saneamento. Foi,
inclusive, proposta a concessão de aumento de capital da IMBEL, pelo
BNDES e BB, para que a ela fossem transferidas todas as garantias da
ENGESA depositadas nos dois bancos. A IMBEL não aceitou a proposta,
pois nada receberia em caso de falência. Em contraposição, propôs
a entrega do acervo tecnológico, o que ocorreu, já que o prazo para
recompra se esgotara. Os 30 milhões recebidos para a aquisição
temporária do acervo tecnológico foram aplicados na recompra da
Fábrica de Juiz de Fora, que voltou a ser propriedade da IMBEL.
Agonia
Em
1991, firmou-se um Protocolo de Intenções e Procedimentos. Nele,
foi estabelecido que as ações dos controladores passassem ao
domínio da IMBEL, a preço simbólico. A Fábrica foi credenciada
para negociar com os credores redução de 90% das dívidas. O BNDES
e o BB receberiam 53% do resultado da alienação de ativos não
operacionais e os 47% restantes passariam para a IMBEL pagar
parcialmente os credores. Seria criada nova empresa afim, com os
recursos devidos aos trabalhadores, que virariam acionistas, com os
valores desses recursos. Em
1992, os ativos não operacionais não obtiveram preço. Em
consequência, todo o plano falhou. Em 1994, o Gabinete Militar da
Presidência apresentou proposta de desapropriação da ENGESA por
interesse público. Na época, o Governo julgou temerária tal
iniciativa e a arquivou.
Ainda
naquele ano, o Presidente da IMBEL viajou à Grã-Bretanha para
apresentar, ao Conselho de Administração da British Aerospace, uma
proposta de associação com sua subsidiária Royal Ordnance para a
copropriedade e a gerência conjunta da ENGESA, mediante investimento
de US$ 125 milhões. Os britânicos disseram concordar com o valor da
participação, porém, os recursos não poderiam ser aplicados para
saldar dívidas tributárias, trabalhistas e bancárias. Mais uma
tentativa frustrada de salvar a empresa. Em
1995 decretou-se a falência da ENGESA. O juiz passou a tratar das
alienações. Questionou a propriedade da IMBEL sobre o acervo
tecnológico, que só foi assegurada com ganho de causa obtido na
justiça. Todo o material do acervo foi transferido para a Fábrica
de Piquete, à exceção dos planos do Osório, que não foram
encontrados nem na fábrica, em São José dos Campos, nem no
complexo administrativo de Barueri. Em 2005 a fábrica de São José
dos Campos foi vendida à EMBRAER.
Considerações
finais
A
epopeia da ENGESA - da criação ao declínio, e deste à falência -
é exemplo frustrante da aptidão criativa e tecnológica do
empresariado brasileiro, bem como da carência de recursos
financeiros governamentais para assegurar a regularidade de
encomendas de que depende a sobrevivência das empresas. As
motopeças, os blindados Charrua e Bernardini, e o carro de combate
Tamoio reforçam a exemplificação. Enquanto
foi possível financiar demandas não entregues, a ENGESA foi
largamente apoiada. Porém, seu ímpeto de produzir e exportar gerou
compromissos financeiros que foram muito além do que o Governo
brasileiro poderia apoiar. Veio-lhe a inadimplência e não houve
como contorná-la, nem como moderar sua ambição. À frustração da
venda do Osório somou-se o fracasso de novas iniciativas, como a de
helicópteros e a de mísseis.
O
Governo e o Exército Brasileiro, via IMBEL, procuraram caminhos para
salvar a ENGESA, contudo, a cova que a enterraria já era muito
funda, cavada por seu próprio Conselho de Administração. O Brasil
perdeu uma empresa que lhe poderia dar autossuficiência em muitos
itens de emprego militar, destruída pelas mãos de quem a criara e a
quis maior do que lhe disponibilizavam os meios. Não
se tem notícia da utilização do acervo tecnológico guardado na
Fábrica de Piquete, que poderia ser muito útil nos desenvolvimentos
programados pelo Exército. Também não se sabe do acervo do Osório,
sem dúvida muito valioso, que é propriedade da Força. Caberia uma
ação, mesmo policial, para descobrir seu destino. Localizado, teria
grande valor na orientação da fabricação de blindados
brasileiros.
FONTE: EBlog, Via Agência Verde Oliva, O Autor do Texto é General de Exército R/1
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