segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Uma visão sistêmica sobre o Futuro Carro de Combate (CC) do Exército Brasileiro


Por: Daniel Bernardi Annes

A aquisição da nova família de blindados revitalizou a tropa blindada brasileira, desencadeando uma significativa mudança cultural no trato com os blindados. Contudo, o término da vida útil destes blindados está previsto para 2027. Findo este prazo, há duas soluções possíveis: aplicar um kit de modernização e postergar seu descarte ou substituí-lo por um novo carro de combate ao término de sua vida útil. O presente artigo teve por objetivo analisar as possíveis soluções, e no ambito de nossa politica monetária e de defesa, sugerir que a aquisição de um carro de combate no mercado internacional se apresenta como a solução mais viável, mais realista e eficiente à substituição da frota Leopard 1A5 BR. Mas ainda, paralelamente, sugere-se também de se iniciar o desenvolvimento de um carro de combate nacional.

No início do século XXI, em face da necessidade de adequação às exigências do combate moderno, o Governo Brasileiro empreendeu uma nova estruturação de sua defesa. Uma série de documentos foi normatizada, com reflexos para todo o setor, inclusive para as forças blindadas (BRASIL, 2012 a, b, c). Com fulcro a recuperar a capacidade operacional de sua tropa blindada, o Exército Brasileiro levou a cabo o Projeto Leopard, que contemplou, além da aquisição das viaturas, a aquisição de simuladores, obras de infraestrutura nas Unidades, o suporte logístico integrado, a tradução de manuais e a qualificação dos recursos humanos (RIBEIRO, 2012). O Projeto revitalizou a espinha dorsal da cavalaria blindada brasileira e atingiu os objetivos a que se propôs, pois desencadeou uma significativa mudança cultural no trato com os blindados.

Entretanto, o Leopard 1A5 já atingiu metade de sua vida útil e, por força de contrato, o suporte técnico e logístico, bem como o fornecimento de peças será descontinuado em setembro de 2027, de acordo com o contrato de suporte logístico assinado com a Empresa Krauss-Maffei-Wegmann (BRASIL, 2017). Conforme a legislação vigente, nos próximos anos, a viatura será reavaliada e o Exército decidirá por realizar um mid-life update¹ e postergar seu descarte ou substituí-la por um novo carro de combate ao término de sua vida útil, seja ele desenvolvido em território nacional ou adquirido no mercado internacional (BRASIL, 2016). Nesse escopo, o presente ensaio tem por objetivo analisar estas possíveis soluções e apresentar algumas considerações sobre o assunto.

KIT DE MODERNIZAÇÃO


Apesar da versão A5 ser a mais moderna da família Leopard 1, fato é que nosso carro de combate foi concebido na década de 50, priorizando a mobilidade em relação à proteção blindada e ao poder de fogo. Esta deficiência intencional em sua concepção fica agravada nos dias atuais, considerando-se as potentes armas anticarro e a preponderância de cenários urbanos e multidimensionais (BRASIL, 2010 a). Mesmo tendo sido modernizado na década de 80, com a incorporação de blindagem adicional espaçada de 5mm, contra munição de carga oca, nas laterais e na torre, com visão termal de primeira geração para o atirador e com o sistema de controle de tiro digital EMES 18, nosso carro de combate ainda possui considerável defasagem tecnológica em relação aos carros de última geração.

Particularmente nos aspectos referentes à proteção e ao processo de engajamento (ANNES, 2012). Quanto à proteção, o Leopard 1A5 possui uma blindagem de Face Endurecida de 2ª geração² , mais pesada e menos eficiente em relação às blindagens compostas mais modernas. Além disso, sua blindagem é cerca de 10 vezes menos espessa que as blindagens dos carros de combate mais novos e não possui nenhum sistema ativo de proteção (ANNES, 2012). Quanto ao poder de fogo, o carro manteve o canhão L7A3 raiado, de 105mm, da empresa britânica Royal Ordnance, que proporciona um alcance bem reduzido em relação aos canhões mais modernos (cerca de 1500m menos que os canhões 120mm de 1ª geração e cerca de 2500m menos que os canhões de última geração). O comandante do carro utiliza ainda a ultrapassada luneta TRP, que é manual, tanto no giro quanto no mecanismo para acoplamento ao canhão.

Tais limitações impedem sua utilização com o CC em movimento, sob pena de queimá-la e impõe ao comandante do carro transferir objetivos manualmente. Esta luneta também não possui sistema de visão noturna, o que compromete ainda mais a capacidade de busca, aquisição e transferência de alvos (ANNES, 2012). A mobilidade, fruto de sua concepção, é o ponto forte do carro. Contudo, mudanças significativas em seus sistemas de proteção e blindagem ou em seus sistemas de armas e controle de tiro acarretariam em aumento de peso, o que poderia vir a comprometer esta mobilidade. A aplicação de um kit de modernização robusto, que realmente alterasse as características do Leopard 1A5, acarretaria em custos elevados e um tempo considerável para planejamento, desenvolvimento e posterior implementação.


Como nos restam menos de 10 anos até o término de seu ciclo de vida e pela quantidade de itens que carecem de aprimoramento, acredito que esta não seja uma solução viável. A aplicação de um kit de modernização superficial, seria economicamente mais viável a curto prazo, contudo, não alteraria as características do carro, tampouco mitigaria suas vulnerabilidades face às ameaças que atualmente se descortinam. Além disso, correríamos o risco que cometer os mesmos equívocos que foram cometidos com o M41, que permaneceu quase meio século em serviço, sofrendo repotencializações insignificantes que não reduziram o hiato tecnológico em relação aos carros mais modernos e pouco ou quase nada contribuíram para o aumento do poder de combate da tropa blindada. É conveniente ressaltar que nenhum kit de modernização é capaz de transformar o core do projeto que deu origem ao carro, ou seja, o que foi idealizado desde sua gênese, dificilmente será alterado. Em ambos os casos, independentemente de quais itens sejam modernizados, estes apenas mitigariam as vulnerabilidades do carro face as atuais ameaças.

SUBSTITUIR POR OUTRO CARRO

A análise prospectiva de cenário realizada pelo Pentágono para o ano de 2035 vislumbra um crescimento permanente da influência do Brasil nas relações internacionais (EUA, 2005). A intensificação da projeção do Brasil no concerto das nações e sua maior inserção em processos decisórios internacionais tornam necessário estruturar a Defesa Nacional de modo compatível com a estatura político estratégica do País. Seguindo essa linha de raciocínio, substituir nossos Leopard 1A5 por um carro de combate principal moderno é algo extremamente válido. Além do efeito dissuasório, tal alternativa permite que o País venha futuramente integrar missões internacionais em igualdade de condições com países mais desenvolvidos bem como participar, com propriedade, dos diversos fóruns internacionais.

A substituição por um carro desenvolvido internamente, com alto índice de nacionalização seria o ideal, pois além de propiciar o desenvolvimento da indústria nacional de defesa, tal alternativa permite que o carro seja concebido de forma a atender as demandas contempladas nas nossas hipóteses de emprego. Fruto da experiência proporcionada pelo projeto Leopard, há atualmente dados disponíveis internamente bastante precisos que nos permitiriam conceber um carro adequado às nossas necessidades (BRASIL, 2010 b). O parque industrial brasileiro é bastante diversificado e possui condições tecnológicas para levar a cabo um projeto deste porte, desde que haja vontade política. Isso pode ser confirmado ao verificarmos os projetos ousados na área de defesa que tiveram sua gênese em território nacional como, por exemplo, o da aeronave KC 390 (FURLAN, 2015) e o do blindado sobre rodas Guarani.


Até mesmo com carros de combate já comprovamos tal capacidade, a partir do desenvolvimento do Osório e do Tamoyo III. (BERTAZZO, 2013). Ainda com respeito à esta alternativa, é conveniente ressaltar que a empresa alemã Krauss-Maffei Wegmann, fabricante do Leopard, já possui uma base instalada no Brasil e já declarou sua disposição em desenvolver um novo carro de combate no Brasil (BÖGE, 2015). Entretanto, estudando o caso de países como Alemanha, Coreia do Sul, Estados Unidos, França, Inglaterra, Israel, Japão e Rússia, todos com know-how de fabricação de carros de combate, a série histórica nos mostra que o projeto de um novo carro de combate, desde sua concepção e estabelecimento dos requisitos operacionais, passando pelo desenvolvimento e seus diversos testes até sua entrada em operação, leva em torno de dez anos (BLANC, 2015; MBT BRAZIL, 2014).

Dessa forma, o desenvolvimento de uma viatura com tecnologia nacional não se apresenta como uma solução imediata viável para este ciclo. Caso a decisão seja por adquirir um carro de combate no mercado internacional, voltamos ao estudo dos veículos desenvolvidos pelos países supra citados. Nestes estudos verificamos que blindagem composta, armamento principal de 120mm e optrônicos com elevada capacidade de busca, aquisição e transferência de alvos são algumas características comuns a tais carros de combate. Ademais, todos estes modelos foram concebidos observando o conceito da modularidade, podendo receber blindagens adicionais, reativas ou não, sistemas de proteção ativos e kits modulares para missões variadas como, por exemplo, operações em áreas urbanizadas ou em áreas com condições climáticas extremas, dentre outras (MBT BRAZIL, 2014).

Desta forma, acredito que no caso de uma futura aquisição, devemos buscar um carro que possua as características que atendam a estas tendências centrais. Outra tendência de diversos exércitos, particularmente os membros da OTAN, é primar pela tecnologia em relação à quantidade. Mantém uma tropa pequena (nível esquadrão ou regimento) no estado da arte e o restante das guarnições, dotadas de carros de combate mais modestos, dentro das possibilidades econômicas do país. Encaram essa estratégia como uma forma de projetar poder, uma vez que nas missões externas, prioritariamente, empregam suas tropas no estado da arte (BRASIL, 2010 b). Tal solução permite também que, em seus respectivos centros de treinamento, sejam desenvolvidos estudos a respeito do que há de mais moderno, estando, a qualquer tempo, em condições de operacionalizar instruções e treinamentos de tropas de maiores efetivos.

CONSIDERAÇÕES

Versão final do que deveria ter sido o M-41C modernizado pela Bernardini. Notas as saias laterias e o canhão francês super 90 capaz de disparar a munição cônica "Dummy 90 mm F4" que nunca foram aplicados aos veículos de série, em Out/85. Este canhão fora utilizado em um dos protótipos do MB-3 Tamoyo I. Fonte: Arquivo Flávio Bernardini

Precisamos ter o cuidado de não repetirmos os erros do passado, mantendo um carro de combate em serviço por vários anos mesmo com altos índices de indisponibilidade. Isso, além de ocasionar uma sensível perda de poder de combate, acaba por criar uma lacuna temporal na transmissão de conhecimentos e experiências no emprego de blindados. Ademais, gera uma grande desmotivação na tropa e corrói a cultura do blindado. Face ao exposto, considero que ainda que a aplicação de um kit de modernização não seja a melhor solução, tal alternativa é melhor que nada. Acredito que a aquisição de um carro de combate no mercado internacional se apresenta como a solução mais viável, realista e eficiente à substituição da frota Leopard 1A5 BR.

Uma sugestão seria a VBC Leopard 2A4, pois além de possuir todas estas vantagens em relação ao nosso atual carro de combate, é da mesma família de blindados, o fabricante já possui base industrial no País e ambos modelos guardam enorme similaridade em seus sistemas de controle de tiro. Este último aspecto proporcionaria uma significativa redução no tempo de adaptação das guarnições à nova viatura. Outro argumento que reforça esta sugestão é que o Exército já possui especialistas nesta viatura. A criação de novos cursos, portanto, iria requerer menores esforços e custos. Acredito, ainda, que a solução ideal seja, em paralelo, iniciar o desenvolvimento de um carro de combate nacional.


Mesmo que esta solução não seja viável temporalmente até o término da vida útil do Leopard 1A5, ela não deve ser descartada para o próximo ciclo. Caso esse desenvolvimento não seja considerado, uma sugestão alternativa seria seguir o modelo OTAN e adquirir uma subunidade de viaturas da família Leopard no estado da Arte (modelos 2A6 ou 2A7), aumentando assim o poder dissuasório e criando, desde já, uma massa crítica em condições de operar tais meios e em condições de rapidamente expandir tal capacidade para as demais guarnições.

Fonte: Revista Ação de Choque, do Centro de Instrução de Blindados, O autor do trabalho, o Srº Daniel Bernadi Annes, é Major da Arma de Cavalaria do Exército Brasileiro e atualmente é Instrutor no CI Bld

Notas do Editor:

(1) - É uma modernização aplicada ao material no meio de sua vida útil com a finalidade de ampliar suas capacidades, visando reduzir o hiato tecnológico com as versões mais recentes e mantendo-o operativo por mais tempo. (2) - Blindagem resultante da observação da dureza na resistência à penetração. Busca a obtenção de um comportamento ótimo a partir de um compromisso entre dureza e tenacidade. É a união metalúrgica, via laminação, de 2 chapas de aço com características químicas diferentes, a externa extremamente dura (mais resistente) e a interna macia (mais tenaz), graças ao diferente teor de carbono. 

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