Por: Paulo Dartanham Marques de Amorim
Feliz
a instituição que reconhece e cultiva os seus valores. Louvemos a
Marinha do Brasil pelo culto, neste bicentenário de nascimento, ao
“Velho Marinheiro”, como desejou ser lembrado o Almirante Joaquim
Marques Lisboa, em seu testamento. Muitos já louvaram os seus feitos
e a sua biografia. Mas o homem não é só ele em si, é ele e as
suas circunstâncias. Tentarei, com engenho e arte, descrever as do
nosso personagem. As
lutas travadas no tempo do Império e os homens que delas tomaram
parte são as suas circunstâncias. A Marinha a sua vida. Dentre os
muitos que percorreram a mesma jornada, viveram o mesmo tempo e as
mesmas circunstâncias, escolhi os Marechais Luis Alves de Lima e
Silva e Manoel Luis Osório pelos laços que os uniram, pelas
semelhanças e diferenças de comportamento.
O
IMPÉRIO
Os
três foram grandes do Império pelos feitos que realizaram.
Defenderam o Brasil de si mesmo e do exterior. Sobreviveram às lutas
e às vicissitudes da época. Escolhidos como patronos das suas
instituições, comandam, através das gerações, pelo exemplo, os
valores que ainda hoje cultuamos. Receberam os títulos: Luis Alves
de Lima e Silva, Duque de Caxias; Joaquim Marques Lisboa, Marquês de
Tamandaré; e Manoel Luis Osório, Marquês do Herval. Caxias
foi chefe dos dois; descobriu o valor de Tamandaré, ainda jovem, na
pacificação do Maranhão; com Osório tocou os estribos do sul, na
Revolução Farroupilha. Tamandaré e Osório, gaúchos de
nascimento, souberam pairar acima das paixões e ver o Brasil maior;
não participaram da Revolução Farroupilha, extinta com a
participação de Caxias. Note-se que Osório, tendo sido
arregimentado pelos farrapos no iní- cio da luta, soube passar
depois para o lado da causa maior, sem vacilações.
A
VOCAÇÃO MILITAR
Caxias
e Tamandaré abraçaram a carreira das armas, ainda bem jovens,
impulsionados por irresistível vocação e seguindo o exemplo de
seus pais. Osório, filho e neto de soldados, não desejava para si o
destino dos homens das armas. Alistou-se na Legião de São Paulo,
por imposição paterna, aos 15 anos de idade. Chorando, afastou-se
de tudo aquilo que amava: a sua estância, a sua família e a vida
campesina. Estava,
contudo, destinado a se transformar num grande guerreiro e no mais
amado dos nossos generais. A formação cultural também diferenciou
os três. Caxias teve formação acadêmica na Real Academia Militar,
no Largo de São Francisco. Tamandaré freqüentou, algum tempo, a
Real Academia de Marinha, dela se afastando pelas circunstâncias das
lutas. Osório foi autodidata. Almejava uma formação humanística,
mas, ao iniciar a vida guerreira, possuía apenas as letras ensinadas
pelo sapateiro Manuel. Tornou-se poeta e bem escrevia, como se
depreende de suas cartas a Tamandaré.
A
CORAGEM FÍSICA
Aos
três a natureza aquinhoou com inequívoca coragem física e serena
bravura. Tamandaré nunca hesitou em atirar-se nas águas bravias dos
mares para salvar vidas humanas. Caxias, já sexagenário, não
vacilou em esporear a sua montada sobre a ponte de Itororó,
arrastando com o seu exemplo a tropa que lhe seguia, desafiando aos
que fossem brasileiros que o seguissem. Osório, após levar um tiro
no rosto, cobriu a face com o poncho e a galope percorreu a linha
pedindo aos seus comandados que acabassem com aquele resto de luta.
Aquele ferimento foi a causa da sua morte, anos mais tarde.
A
ATUAÇÃO POLÍTICA
Naquela,
época o Brasil também se conformava politicamente e, nesse campo,
os militares atuavam no exercício da sã política. Caxias e Osório
foram senadores por seus estados. Um conservador e o outro liberal
consciente. Caxias tinha a concepção estratégica e política da
batalha. Exigia o comando político e militar das operações, não
fazia concessões. Mas, como afirmou no Maranhão, “Mais militar
que político, quero até desconhecer os partidos existentes entre
vós”. Sabia atingir os fins a que se propunha. Sabia utilizar-se
do instrumento da anistia. Sabia
pacificar os ânimos. Desconheço atuação política de Tamandaré,
como é próprio dos homens do mar. Fazia a política da Marinha e do
Poder Naval que crescia com o crescimento do Brasil. Ao apresentar-se
preso ao Marechal de Ferro, por ocasião da prisão de 13 generais,
exerceu a política da solidariedade, não foi um ato de indisciplina
ou contestação ao novo regime. Homem do Império, assistiu o
advento da República. Acompanhou o Imperador até os últimos
momentos de sua estadia no Brasil. “O que está feito, está
feito.” Seu olhar tinha uma visão mais ampla da sua nação que
superava as paixões momentâneas.
O
TINO ADMINISTRATIVO
Aos
três não faltou o tino administrativo. Caxias notabilizou-se na
organização do apoio logístico. Sobressaiu-se muito bem no governo
do Maranhão, aspecto pouco explorado na nossa historiografia.
Ministro da Guerra em quatro oportunidades deu provas inequívocas do
seu tirocínio administrativo. Osório morreu Ministro da Guerra.
Tinha uma ampla visão da organização do equipamento do território. Preocupava-se
com a construção das estradas de ferro que permitiriam um apoio
cerrado às operações no Rio Grande e na defesa do território.
Tamandaré, na Europa, acompanhou a modernização da Marinha
fiscalizando e opinando na construção de navios de propulsão mista
(vela e vapor). Na Guerra do Paraguai, comandou as forças navais em
1865 e 1866, organizando o bloqueio naval sustentado por um eficiente
apoio logístico, que ele implantou para superar a deficiência que
seria causada pela longa distância da Esquadra da sua base de apoio
no Rio de Janeiro.
O
RELACIONAMENTO ENTRE TAMANDARÉ, CAXIAS E OSÓRIO
As
nossas operações militares, no período da Regência e Império,
caracterizaramse pelo emprego das operações conjuntas, nas quais se
torna imprescindível um relacionamento efetivo e harmonioso entre os
comandantes das forças terrestres e navais. Os laços de amizade,
camaradagem e respeito entre esses três líderes militares nos
proporcionaram as retumbantes vitórias alcançadas na construção
do edifício da nossa nacionalidade. Coube a Tamandaré a
oportunidade de proporcionar ao seu amigo Osório a glória de ter
sido o primeiro guerreiro, o audaz cavaleiro que o solo inimigo
primeiro galgara, no Passo da Pátria, quando o Brasil, após repelir
do seu território o audacioso e tenaz agressor, passava a mostrar à
América a reação do gigante País que se formava. Os dois chefes
eram amigos fraternais.
Parece-me
que existia algum laço de família, pois em cartas que pesquisei
no Arquivo de Tamandaré, existente e muito bem cuidado no Serviço
de Documentação da Marinha, Osório chamava de “primo” o velho
marinheiro. Caxias descobriu o valor de Tamandaré no Maranhão e
muito o recomendou aos seus superiores navais. “Homem de valor a
fazer progredir”, consta de documento encontrado no Arquivo
Histórico do Exército e transferido ao Serviço de Documentação
da Marinha. Caxias e Osório se encontraram no sul. Dizse que quando
os estribos se chocam uma amizade está selada para sempre, e assim
aconteceu. Caxias aconselhava Osório. Os dois foram senadores,
Osório, político, sabia condescender com o inflexível companheiro
conservador que não dispensava o cumprimento formal e regulamentar
do antigo subordinado, mais moderno no trato castrense.
NA
MORTE
Osório,
o mais moço dos três, foi o primeiro a deixar esta vida, faleceu em
sua casa na Rua de Mata Cavalos, atual Riachuelo, no exercício do
cargo de Ministro da Guerra. Desconheço o seu testamento, se houve.
Perguntado sobre o seu estado de saúde, respondeu a um amigo “águas
abaixo, para a eternidade.” Apreciador dos prazeres do mundo, ainda
deu uma última baforada no charuto que um amigo fumava. Foi
embalsamado. Caxias foi a seguir. Afastado de tudo e desiludido dos
homens, retirou-se para a Fazenda de Santa Mônica, de um de seus
genros. Pediu
que o seu enterro fosse feito sem pompa, e só como irmão da Cruz
dos Militares, no grau que ali tinha.
Dispensou o estado da Casa
Imperial e os convites para cerimônia fúnebre; não queria ser
embalsamado e dispensou as honras fúnebres que lhe pertenciam como
marechal-de-exército. Só desejou que mandassem seis soldados, dos
mais antigos e de bom comportamento, para pegarem nas argolas do seu
caixão, aos quais seria paga uma gratificação de trinta mil réis
a cada um pelo seu testamenteiro. Tamandaré sobreviveu ao Império,
presenciou o advento da República e nesse regime faleceu. Exigiu,
também, toda simplicidade no seu enterro e que seus restos mortais
fossem conduzidos por seus irmãos em Jesus Cristo que houvessem
obtido o foro de cidadão pela Lei de 13 de maio de 1888. Sobre a
pedra que cobrisse a sua sepultura se escrevesse: “Aqui jaz o Velho
Marinheiro.”
NA
POSTERIDADE
A
nação brasileira começou o reconhecimento a esses três vultos
insignes de sua história ainda em vida. Grandes do Império, Caxias
e Osório foram ministros e senadores; Tamandaré e Caxias receberam
o Colar da Ordem Imperial da Rosa, únicos brasileiros a serem
agraciados além do Imperador D. Pedro II. Tornaram-se patronos de
suas instituições: Caxias do Exército, Tamandaré da Marinha e
Osório da Arma de Cavalaria. Não hesitarei a estender a Tamandaré
e a Osório o que o Monsenhor Joaquim Pinto de Campos afirmou de
Caxias: “Nunca
homem, com tamanha glória, foi a essa glória tão superior; nunca
homem, com tamanho mérito, do seu mérito se orgulhou menos: nunca
homem, com tantos e esplendentes sucessos, tanto desadorou
ostentações ou lisonjas; nunca homem a tanta grandeza, reuniu tal
grau de modéstia, clareza e bondade; nunca homem, com tanto engenho
e saber, sentiu menos filáucia; nunca homem, com tantas razões de
se desvanecer de si próprio, menos de si se ocupou, menos se
infectou do amor de sua pessoa.”
Nota
da Redação: O
Autor do Artigo, Srº Paulo Dartanham Marques de Amorim Coronel de
Cavalaria do Exército Brasileiro (R/R), mestre e doutor em Aplicações e
Estudos Militares. Cursado na Escola Superior de Guerra, dedicou-se
aos altos estudos de Política e Estratégia. É sócio jubilado do
Instituto de Geografia e História Militar do Brasil (IGHMB) e sócio
efetivo da Academia de História Militar Terrestre do Brasil e da
Sociedade Brasileira de Cartografia.
Fonte
Bibliográfica: Revista Navigator, V. 3, Nº 6, 2007
Muito bom !!!
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