domingo, 24 de setembro de 2017

Pioneiros Brasileiros na Antártica - Marinha do Brasil e a primeira reportagem de TV brasileira na EACF.

A repórter Solage Bastos da extinta TV Manchete, na solenidade do Dia do Marinheiro na Estação Antártica Cmdte Ferraz em 13 de dezembro de 1984. Imagem extraída do documentário "Antártica, a última fronteira".
Por: Yam Wanders.

A temática das missões da Marinha do Brasil em além mar, e, em especial na Antártica, ainda são uma incógnita para o grande público, que por falta de mais destaques das grandes mídias, acaba por ignorar o que é feito à muito tempo pela nossa Marinha e pela nossa comunidade científica. 




O NApOc H-42 "Barão de Teffé" em uma de suas cenas mais memoráveis.
Como já exibido por outras matérias anteriores, brasileiros já estiveram na Antártica desde os anos 50/60, sendo o primeiro brasileiro na Antártica o Médico, Geógrafo e Jornalista, o Dr. Durval Sarmento da Rosa Borges (1912-1999) em 1958. Durval Borges era editor de Ciência e Saúde da extinta revista Visão e membro da SGB - Sociedade Geográfica Brasileira, e se aventurou na Antártica (levando pela U.S. Navy) para fazer uma matéria sobre o encontro dos exploradores Hillary e Fucs, que estavam na época efetuando a expedição transantártica para o Ano Geofísico Internacional (1957/1958). Entre outras reportagens, ele publicou, em 1959, o livro "Um brasileiro na Antártica".

Também já descrevemos um pouco sobre os primeiros homens que inauguraram a permanência definitiva na EACF- Estação Antártica Comandante Ferraz, um grupo de selectos Fuzileiros Navais, liderados pelo então Capitão-Tenente José Henrique Elkifury (hoje já Contra-Almirante), Fuzileiros estes que permaneceram na EACF na primeira invernada antártica, começando assim a ocupação operacional da base brasileira no continente Antártico. Era a Operação "Antártica lll", iniciada em 15 de novembro de 1984.

A Operação Antártica lll 

Porém nessa época, os registros audiovisuais sempre foram caros e de difícil realização, como muitos sabem, câmeras VHS (vídeo home system) só se tornaram populares a partir da segunda metade dos anos 90, e até então no ano da 1 invernada antártica na EACF, somente uma equipe de TV teve a iniciativa de efetuar um trabalho que mostrasse as atividades da Marinha do Brasil ao grande público, de maneira descomplicada, dando a devida importância ao feito que era algo inovador para a comunidade científica e militar brasileira*.


Cena da formatura dos militares em despedida na partida do Rio de Janeiro, no cais do Arsenal de Marinha.

Essa equipe de TV pertencia a recém nascida TV Manchete, e hoje já extinta a mais de duas décadas. O documentário foi realizado pelos repórteres Solange Bastos e Jorge Ventura ( também atuou como cinegrafista na produção), com pós-produção de Eduardo R. Halfen, direção de Carlos Amorim e Moisés Weltman, edição de Roberto Guidalli e César Cardoso, gerência de operações de Alexandre Gasparini, supervisão de operações por Manoel Carlos e Fernando Silva. Se hoje temos um dos bons registros dessa proeza da Marinha do Brasil, devemos agradecer à esses reportéres e técnicos que abraçaram o desafio de trocar coberturas muito mais conveniêntes do ponto de vista televisivo, para integrar o pioneirismo de nossa Marinha e assim ajudar a preservar a memória dos primórdios do PROANTAR, o Programa Antártico Brasileiro. 

(*) O autor desconhece alguma outra reportagem de TV sobre os primórdios das operações antárticas brasileiras, caso alguém conheça algo sobre o fato, pedimos a gentileza de uma troca de informações que possa ajudar a aperfeiçoar o tema para matérias no futuro.

A preparação e chegada

Antes da chegada ao Continente Antártico, a reportagem registrou belos momentos da partida do navio oceanográfico Barão de Teffé no dia 15 de novembro de 1984 no porto do Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro, e, detalhes da rotina à bordo durante os 11 dias de travessia, até as ilha Rei George, no arquipélago da Shetlands do Sul, a última parada antes de prosseguir até a Antártica. 


Imagem da chegada do Comando da missão Antártica lll na manhã do dia 2 de dezembro de 1984.

E quando chegaram no dia 2 de dezembro de 1984 ás exatas 09:30h, quando do desembarque em território antártico na praia congelada que dá acesso à que na época estava recém montada em seu estado básico, mas ainda desabitada EACF, a Estação Antártica Comandante Ferraz que estava vazia a pelo menos 8 meses desde a sua construção inicial.
Duas cenas são memoráveis nessa chegada, uma a abertura das portas da Estação Cmdte Ferraz e outra, a chegada dos poloneses da vizinha Estação Arctowisky, para dar as boas vindas aos colegas/amigos brasileiros na Antártica.


A cena da abertura da porta da EACF em 2 de dezembro de 1984 pelo então
Coordenador da CIRM Cmdte Fernando Araújo.
A chegada dos vizinhos poloneses da Estação de Arctowsky para dar as boas vindas aos brasileiros.

As demais cenas são uma boa descrição de como estavam os cinco módulos iniciais da Base Cmdte Ferraz naquele verão antártico, módulos esses ainda todos feitos a partir de containers convencionais adaptados para servirem de áreas de trabalho, laboratórios e alojamentos, entre outros.

Os trabalhos e a descarga de material para a EACAF

Inspecionar tudo, verificar integridade das estruturas físicas e colocar os sistemas elétrico em funcionamento, estas foram as primeiras atividades no primeiro dia para depois preparar o terreno para o descarregamento de material e suprimentos, e, com as portas e sistemas elétricos funcionando, uma digna pausa para o primeiro café antártico da missão Antártica lll.


Chata para transporte de carga pesada no movimento navio-terra. sua montagem só pode ser concluída pelo trabalho de mergulhadores com roupas especiais.

Nas cenas seguintes são exibidas as atividades do descarregamento de material (em torno de 75 toneladas dos mais diversos ítens e equipamentos), com a montagem de uma chata de transporte (balsa desmontável em módulos), atividade que requer a ação de mergulhadores, e, que apesar do uso de roupas de mergulho especiais, correram o risco de uma hipotermia devido à temperatura negativa da água. Tudo foi  preparado com afinco, para nos meses seguintes receber em torno de 75 pesquisadores que viriam do Brasil em outras missões via aérea para a EACAF. 
O duro trabalho manual de tirar o gelo ao redor da estação com pás e enxadas também ficou bem registrado, uma faina de extrema importância devido à neve que estava na altura do teto da Estação, mesmo sendo o verão antártico, pois a principal missão dessa missão foram os trabalhos de ampliação da EACAF para as próximas missões, tudo sob a supervisão do engenheiro da Marinha Roy Cuglovici.



Na época foi também efetuado um trabalho minucioso por parte do então Coronel Engenheiro Irio Adami da FAB, que visava o preparo do terreno para a construção da pista de pouso brasileira nas proximidades da EACF, projeto esse que infelizmente foi inviabilizado pelas enormes restrições que a topografia do terreno impôs ao projeto. 

A aventura dos jornalistas no meio mais hostil do mundo

A missão Antártica lll também marcou a hstória do jornalismo científico/tecnológico, pois foi a primeira ocasião em que jornalistas acamparam no gelo das montanhas da região, sob a supervisão dos militares da Marinha do Brasil. Todos, miitares e civis enfrentaram o frio severo para a coleta de excelentes imagens locais, mas, há merecido destaque para o cinegrafista Jorge Ventura, que carregou sua câmera, mais seu material de acampamento (totalizando 38 kilos de equipamentos) durante a aventura. O responsável pela instrução e supervisão dos trechos em escalada foi o guia alpino Calba Athayde.


Momento da partida para um acampamento de pernoite externo no gelo, quando a equipe de reportagem e outros militares passaram por uma instrução de sobrevivência no gelo.

O acampamento também serviu como uma instrução prática de sobrevivência na neve para os repórteres e militares que estavam em sua primeira missão em uma região gelada.
Uma parte interessante aos mais emotivos é a apresentação do primeiro "cidadão antártico" concebido e nascido na base chilena , um bebê que nasceu apenas 20 dias antes da chegada da missão brasileira. O bebê de nome "Juan Pablo de Camacho", filho de um casal de enfermeiros chilenos que integraram o esforço do Chile em povoar uma parte do território antártico chileno que é considerado por eles como uma província, ou uma extensão de além-mar do território continental chileno.
O convívio com os vizinhos chilenos e também com os russos de uma estação da então União Soviética foi algo interessante, já que na época do documentário (nov/dez/jan1984) o mundo ainda vivia em plena "guerra fria"!
A Estação abandonada de Fitz, cercaa de histórias e lendas.

A descoberta de duas estações abandonadas pelos ingleses a mais de 70 anos foi macabra, pois todos os objetos pessoais dos antigos ocupantes permanecem intactos no local, desde itens de higiene pessoal até alimentos conservados pelo clima e muitos livros, tudo cercado por uma atmosfera bucólica e misteriosa.

Solenidade do dia do Marinheiro na Antártica

E no dia 13 de dezembro de 1984, a solenidade em homenagem ao dia do Marinheiro, com uma formatura militar, entrega de condecorações para alguns dos tripulantes do Barão de Teffé e um ofício religioso, tudo com a presença de representantes de quatro países de estações vizinhas, e, nesse dia foi declarada a reativação definitiva da EACF de forma oficial, com a designação dos 18 Fuzileiros Navais que lá permaneceriam em definitivo no verão antártico até a troca em abril, pelos outros Fuzileiros Navais que permaneceriam no período do inverno antártico, esses sob o comando do então Capitão Tenente Elkifury.


A repórter Solange Bastos entrevista o Cmdte da EACF logo após a solenidade do Dia do Marinheiro,
realizada na Antártica.

Em seguida houve uma comemoração a um jeito bem brasileiro, com homenagem para um aniversariante, e também, churrasco e pagode com inspiração futebolesca.
A comemoração do Dia do Marinheiro na Antártica coincidiu com a finalização de grande parte dos trabalhos de ampliação das instalações dos alojamentos e outros cômodos da EACF, que em breve seriam organizados para sua ocupação.

O retorno ao Brasil

Antes de enfrentar os 10 dias de mar que separam o continete Antártico da base em Rio Grande no Brasil, ocorreriam algumas emoções a mais. A parte mais emotiva é a que marca a despedida do então Capitão de Mar e Guerra Paulo César Adrião, que promovido a Contra-Almirante, passaria o comando do NApOc "Barão de Teffé" já na chegada ao porto de Rio Grande, a primeira escala de retorno do navio no Brasil.


A despedida aos que ficam, para cumprir a missão de permanência na EACF durante o inverno antártico.

Cenas interessantes da "interceptação" do Barão de Teffé por uma fragata britânica na região das águas territoriais das Ilhas Falklands contribuiram para uma emoção mais forte, mas sem maiores preocupações dada a identificação imediata da embarcação brasileira.


Uma declaração interessante do Cmdte Paulo César Adrião marca a sua última entrevista durante a viagem de retorno ao Brasil, quando indagado pela repórter Solange Bastos sobre suas experiências em ambiêntes aonde o mesmo prestou serviço pela Marinha do Brasil, sendo estes os mais extremos, a Amazônia e agora na Antártica, o Então CMG Adrião responde, faltando pouco para o final da missão e chegada no porto de Rio Grande:

"- Eu acho que em ambos, tanto na Amazônia como na Antártica, nós sentimos aquela força da natureza, além de vários outros aspectos, me fazem pensar simultaneamente nessas duas regiões [...] Quando se trabalha tanto na amazônia quanto na Antártica, nós não podemos trabalhar contra a natureza, temos que trabalhar com a natureza, respeitando e aproveitando os momentos propícios que ela nos oferece [...] A Antártica é uma região de grande importância para a humanidade e consequentemente para o Brasil também, e eu tenho a esperança, que talvez seja um sonho, de que seja possível manter aquela região (a Antártica) como ela é atulamente, com aquele espírito de fraternidade, com aquele respeito à natureza... Vamos vencer!"



Apesar de muitas outras reportagens que foram produzidas em anos posteriores, de tão boa qualidade quanto esta da extinta TV Manchete, devemos registrar e manter viva a importância da mesma, pois quantos cientistas e militares foram inspirados por esse trabalho televisivo, pessoas que hoje, ajudam a engrandecer os projetos civis & militares, que colocam nossa nação em uma saudável corrida para elevar os patamares da moral e produção tecnológica de nosso Brasil. A memória histórica brasileira infelizmente recebe respeito mínimo por parte das grandes mídias, e, o que até uns anos atrás era um fato que estava sendo subestimado pelos brasileiros, hoje já é história, e uma história épica, dado os devidos parâmetros de comparação com as facilidades tecnológicas que temos hoje, em comparação com o já longínquo ano de 1984...

Galeria de imagens:
Representante local dos Pinguins confraternizando com o pessoal brasileiro.
O primeiro café antártico é algo importante para todos! Café é vida!
Cena do deslocamento da instrução de sobrevivência no gelo com os repórteres.
Aonde a faina pega o povo não vê...
Fainas... Muitas fainas para deixar tudo pronto...
Ainda bem que foi no "verão"...
Cena memorável do NApOc H-42 "Barão de Teffé" em seu "habitat".

O então CMG Paulo Cesar Adrião, efetuando mergulho com roupas especiais nas águas da Baía do Almirantado na Antártica antes de seu retorno ao Brasil.
Aos que desejarem ver o documentário, abaixo está o link para o vídeo no Vimeo:

Antártica, a última fronteira.




Referências bibliográficas: Publicações da Marinha do Brasil, Programa de TV "Antártica", a última fronteira - TV Manchete, 1984. Por Solange Bastos e Jorge Ventura.



















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