quarta-feira, 3 de maio de 2017

OPERAÇÃO BARKHANE: Em patrulha com o 3e Rima no Mali

Coluna do 3e Rima, em patrulha na região de Aguelhok, Mali. Imagem cortesia French Army/World Armies-UK.

Por: Bruno Jézequel.
Introdução, tradução e adaptação: Yam Wanders.

Introdução

No domingo dia 30 de abril, após a condução durante aproximadamente uma semana de uma das  maiores operações da "Force Barkhane" na África (Operações PANGA/BAYARD já descritas em matéria do dia 01 de maio ), as forças militares francesas na região obtiveram um de seus melhores resultados na luta contra grupos terroristas islâmicos que tentam instalar um "segundo Estado Islâmico" na África subsahariana se aproveitando das condições de ineficiência dos governos e dificuldades sociais existentes na região.
A França, atendendo a diplomacia e acordos de defesa existentes com nações amigas da África, hoje lidera uma coalizão de países locais na luta contra o terrorismo islâmico desde agosto de 2014*, e, atualmente é a maior operação de coalizão anti-terrorismo islâmico fora da região do Oriente Médio.

A Operação "Barkhane**" em si compreende a coalizão entre a França e o "G-5 Sahel", isto é, um grupo de nações independentes da região africana do Sahel, que são eles;  Burkina Faso, Chad, Mali, Mauritania e Niger, todos estes ex-colônias da França. A Operação Barkhane na prática é apenas a continuação da Operação "Serval" que se iniciou em janeiro de 2012, exclusivamente no Mali, atendendo a  "United Nations Security Council Resolution 2085" após o pedido oficial do governo do Mali por ajuda internacional após ataques seguidos de grupos terroristas oriundos da Líbia que atravessavam o território da Argélia, que decidiu prestar apoio internacional ao Mali, logo após o final da guerra civil na Líbia, quando foi confirmado que existia a séria ameaça de grupos jihadistas e outros grupos terroristas islâmicos formarem um movimento que tenciona a formação de um novo "Estado Islâmico" na região. 
Durante a Operação Serval houve o envolvimento direto de tropas francesas na região com o apoio logístico de outros países da aliança NATO/OTAN, e, agora na Operação Barkhane, apenas o Reino Unido está prestando apoio à França. A participação dos países do "G5 Sahel" tem se limitado ao apoio com tropas que dependendo da situação ficam sob coordenação das forças francesas e ao uso comum de instalações e bases. A França tem provido também consultoria em aperfeiçoamento do treinamento dos militares dos países do G5 Sahel.


Um dos muitos acampamentos da "Cia Hermines", realizados durante as patrulhas no 
deserto da região de Aguelhk no Mali. Foto por Bruno Jézequel/l'Editiondusoir.

As maiores ameaças em se tratando de movimento insurgente é o  "National Movement for the Liberation of Azawad (MNLA)" que em 2012 chegou a ocupar 1/3 do Mali e outras regiões de fronteiras com países vizinhos, e, os  Ansar Dine e the Movement for Oneness and Jihad in West Africa (MOJWA), ambos ligados diretamente a "Al Qaeida e ISIS", sendo estes dois os melhores estruturados e mais perigosos devido ao fanatismo dos jihadistas e das populações que os apoiam. Depois da queda do regime líbio e das constantes ofertas de apoio aos grupos locais de jihad islâmica (oferecidos pelo ISIS e Al Qaeida) existe uma verdadeira competição entre outros grupos menores para "ver quem mostra mais serviço", e assim recebem mais apoio de governos ligados à causas islâmicas e assim obterem o respeito e liderança dos demais jihadistas da região, o que torna ainda mais confusa a situação de identificar quem é o inimigo...


E entre diversas unidades militares da França na região, se destaca o 3e Rima - 3e Régiment d'Infanterie de Marine de Vannes (Fuzileiros Navais Franceses), uma das mais exigidas em importantes operações de patrulhas de segurança e reconhecimento avançado, e que, quase sempre acabam em perseguição à grupos de terroristas fortemente armados que tentam controlar a região. Essa unidade chegou ao Mali em janeiro de 2017 e só retornará à França em meados de junho ou julho (as datas nunca são reveladas por motivos de segurança) mas o período de permanência na região é de 4 meses no mínimo.
Para o 3e Rima, a tensão e os riscos são rotina do seu dia a dia, tão intensas quanto qualquer outra tropa no Oriente Médio em operações semelhantes, não importa se em patrulha ou em noites intermináveis nos acampamentos em pleno deserto, longe das bases e das relativas facilidades de Bamako (capital do Mali).
Vamos acompanhar nessa reportagem de campo, um pouco do que tem sido o dia a dia desses militares em ação ora no deserto, ora nas florestas mais ao sul do Mali.

*01 de agosto de 2014, data oficial do início da Operação Barkhane.
** Barkam: Uma duna de areia em forma de lua crescente que se forma sob ação do vento no deserto.

Foto por Bruno Jézequel/l'Editiondusoir.
EM PATRULHA COM O 3e Rima no MALI

"Em campo, antes do alvorecer"

É 4 horas da manhã, noite de fim de abril nos arredores de Alguehok, região do Sahel. Sem emitir barulhos, sombras e silhouetas se levantam e começam a se equiparem, ninguém aparentemente precisou de despertador pois seus corpos já assimiliaram o horário em seus relógios biológicos. 
Sem uma palavra, sem um único som, os soldados da "Companie Hermines" do 3e Rima desmontam suas camas de campanha (ideais no terreno rochoso), barracas individuais e mosquiteiros no meio da escuridão, usando apenas uma tênue iluminação mínima provida pelas suas lanternas de cabeça com lâmpadas vermelhas, indispensáveis para a discrição noturna. Em menos de uma hora tudo já está guardado e todos prontos para partir.
Em uma caneca de metal, todos preparam seus cafés solúveis já adoçados enquanto outros escovam os dentes todos protegidos pela formação em quadrado efetuada pela disposição dos veículos estacionados em pleno campo desértico, e, mesmo já quase sendo 5h da manhã, a temperatura já começa a bater os 28C°, e, a atenção à movimentação deve ser total e sempre avisada ao acampamento dos comboios mais próximos, para evitar o fogo amigo dos sentinelas em constante alerta, pois obviamente a coluna parou para o "bivouac" em terreno hostil.

Foto por Bruno Jézequel/l'Editiondusoir.

"5h AM e a coluna inicia movimentação"

Durante o dia logo após o levantar do Sol, as temperaturas na região já atingem os 40/45C° chegando mesmo a bater os 50C° em algumas ocasiões, e quando abaixam, geralmente chegam rajadas de tempestades de areia provocadas pelos ventos, mas o maior problema com a poeira fina do deserto é sempre causado pelo deslocamento dos veículos pelas estradas e outras regiões.
Em tal ambiênte, o desconforto é ainda mais severo devido ao peso do equipamento, que chega a no mínimo 25 kilos entre colete balístico, capacete e outros  ítens diversos. Porém, como todos sabem, "ruim com eles, pior sem eles", afinal tal como no oriente médio, os incidentes com IED´s e outros ataques são uma rotina que já vitimaram muitos militares nessas missões de longo curso e distântes das bases principais que podem prestar auxílio mais efetivo em caso de feridos graves. O peso e volume do equipamento provocam desconforto mais severo quando os veículos devem efetuar percursos "off road" e andar em meio a campos repletos de rochas de todo tamanho que balançam os veículos e limitam a velicidade em até 10km por hora dependendo do quão acidentado é o percurso. Em termos de velocidade o ideal para as patrulha é de 15km/h e nunca menos de 10km/h e máximo 25km/h exceto em caso de necessidades extremas. Se for o caso de uma parada da coluna, não importa o motivo, todos descem e um perímetro de segurança é estabelecido imediatamente.

Foto por Bruno Jézequel/l'Editiondusoir.

"Calor extremo, sede e emoções extremas..."

Todos tem direito a 9 litros de água por dia, e todos acabam consumindo essa cota. A sede faz a garganta queimar devido ao ar seco e a poeira finissima que acaba entrando pelas vias respiratórias mesmo com o uso de proteções no rosto. A água acaba por ter a temperatura ambiênte e torna-se obviamente quente e não há como evitar esse aquecimento mesmo com caixas de isopor, e, para diminuir um pouco da temperatura da mesma os militares colocam as garrafas em meias, deixam na à sombra e molham essas meias para dissipar um pouco do calor absorvido. No final, a água acaba sempre sendo consumida quente mesmo, pois é melhor que nada.
Foto por Bruno Jézequel/l'Editiondusoir.


Foto por Bruno Jézequel/l'Editiondusoir.

A rotina de patrulhas externas dura 15 dias, o que acaba por dar um "ar" de nômades aos "Marsouins"(apelido dos Fusilliers Marins) e nessa rotina a alimentação torna-se dificil também com o calor que trasforma qualquer comida em uma pasta bizarra, mas que é necessária para mantê-los dispostos.

Foto por Bruno Jézequel/l'Editiondusoir.

A ração de combate é uma das melhores do mundo, contendo ítens de 1a linha como: carne bovina, suína, carneiro, peixe, feijoada, saladas e outros,  mas os militares tem liberdade de levar ítens de preferencia pessoal que vai desde pão integral até mesmo vinho trazido de casa.
Com toda essa rusticidade e rigor, imagina-se que o clima seja de mau humor e nervosismo constante, porém  o que observamos é de um contraste enorme com o ambiênte espartano que os militares tem como dia a dia. Todos bem humorados e motivados pois são soldados profissionais e sempre esperaram por isso em suas vidas, sempre esperaram um dia combater contra aqueles que levam o terror aos inocentes fosse aonde fosse. "Assinamos um compromisso e estamos aqui o cumprindo"; declara o Lieutenant "Hervé"( nome completo não pode ser revelado).
Os dias passam no deserto, e, nos momentos de folga para quem não está de sentinela, diversas atividades são sempr organizadas para apaziguar a tensão; desde jogos de raciocínio até sessões de filosofia e poesia, entre outras, vale tudo para manter a moral elevada com o devido relaxamento saudável.

Foto por Bruno Jézequel/l'Editiondusoir.

"Todos pensam muito no retorno à França, aonde poderão voltar a uma vida normal com familiares e amigos. Não vemos a hora de poder beber um boa cerveja gelada, apreciar coisas simples que nem sempre damos valor em nosso País, pois aqui além de tudo estamos vendo muita pobreza"; desabafa Kévin, um suboficial de 35 anos.

Foto por Bruno Jézequel/l'Editiondusoir.

"Os controles"

Os controles são as verificações  de veículos diversos que circulam pelas estradas e principalmente fora delas pelas planícies desérticas. Afinal são os meios de transporte que levam pessoas e mercadorias entre os vilarejos que são usados pelos jihadistas para o mesmo transporte de homens e material entre seus postos e bases. Essa verificação é sempre o momento mais tenso, mais perigoso, onde o menor deslise pode ocasionar um confronto que vai deixar mortos entre os evolvidos, principalmente entre civis que não tem como se proteger e são sempre alvejados, seja para criar confusão ou como punição exemplar pelos jihadistas que controlar os civis na base do terror.
Foto por Bruno Jézequel/l'Editiondusoir.

"Estamos sempre observando tudo, mas sabemos que também estamos sendo observados e até mesmo seguidos. Aqui existem observadores de todos os tipos, desde os simples curiosos que nos admiram até os prováveis informantes dos terroristas Apesar de tudo a população nos é sempre simpática mesmo tendo medo de represálias dos jihadistas que proíbem o contato conosco, e, existem também ex-jihadistas que nos procuram para assegurar acordos de paz e evitar ataques contra suas comunidades"; declara o Lieutenant Hervé.

Foto por Bruno Jézequel/l'Editiondusoir.

Durante uma das missões em um vilarejo próximo a fronteira com a Argélia, alguns jihadistas conseguem fugir em carros e motos para o país vizinho, e durante  essa fuga a companhia é alvo de dois disparos de RPG´s vindos de posições não confirmadas em elevações próximas. Felizmente os disparos foram bem imprecisos e não causaram mais que sustos. Quanto ao vilarejo, ficaram apenas mulheres e crianças, todos com medo de represálias dos jihadistas devido a permanência dos militares franceses.
E enquanto isso no céu, o barulho de helicópteros EC-665 Tigre, NH-90 Caymam e bem mais ao alto com a passagem de Mirages 2000, mostra aos que estão em terra que os militares não estão sem o devido apoio de uma possível cobertura aérea caso solicitado.

Foto por Bruno Jézequel/l'Editiondusoir.

"Fim de jornada, hora de montar acampamento no deserto"

E após a escolha de um local seguro e verificado em todos os aspectos, o perímetro é montado e quem não está de sentinela pode enfim tomar um banho, usando apenas 1 litro de água e lenços umedecidos, e também, hora de telefonar para casa se houver sinal de celular ou satélite. Para alguns esse é sempre o melhor momento do dia, pois além da retirada do pesado equipamento pessoal e do banho, o momento de deitar-se e adormecer vendo as constelações é algo apaziguante para o espírito.
Foto por Bruno Jézequel/l'Editiondusoir.


Foto por Bruno Jézequel/l'Editiondusoir.

Foto por Bruno Jézequel/l'Editiondusoir.

"Já vimos de tudo um pouco aqui como o que muitos já viram no Afeganistão; Desde garotos pastores que nos atacam apenas com um fuzil até mesmo grupos de jihadistas fortemente armados em caminhonetes modernas, que nos procuram para se entregarem. Aqui estamos em outro mundo, é algo humano mas ao mesmo tempo surreal para que está apenas acostumado à rotina na França, mesmo sendo militar. Nossos homens vivem aqui o que podemos chamar de verdadeiro espírito de coesão, uma camaradagem que advém do enfrentamento desse terreno bruto, dessa rotina rude, mas que é o que esses homens gostam, o que eles procuram em uma aventura com um mixto de tecnologia de ponta e rusticidade que jamais poderia ser vivida em um cotidiano ordinário na França."; declara o Colonél Jean Marc Giraud, Comandante do 3e Rima.

Foto por Bruno Jézequel/l'Editiondusoir.

Foto por Bruno Jézequel/l'Editiondusoir.

Foto por Bruno Jézequel/l'Editiondusoir.

Foto por Bruno Jézequel/l'Editiondusoir.

Foto por Bruno Jézequel/l'Editiondusoir.

Foto por Bruno Jézequel/l'Editiondusoir.

Foto por Bruno Jézequel/l'Editiondusoir.

Foto por Bruno Jézequel/l'Editiondusoir.

Foto por Bruno Jézequel/l'Editiondusoir.

O autor Bruno Jezequel é fotojornalista especializado em conflitos, e obteve uma das raras permissões de acompanhar uma coluna de operações, e esteve junto das forças francesas no Mali acompanhando algumas operações que fizeram parte das sub-operações "Panga e Bayard" na semana passada, à serviço da Ouest France e l'Édition du Soir.

Yam Wanders esteve no Mali na semana que se sucedeu a fase final da operação PANGA/BAYARD com a itenção de cobrir algo da mesma, porém essa pequena aventura será descrita com detalhes em breve em outra matéria, pois o mesmo e outros jornalistas de uma rede de TV da França, que foram por iniciativa própria cobrir a apresentação dos resultados da operação, acabaram detidos por supostos policiais do Mali, após uma confusão com guias locais que prometeram levar todos para próximo de uma das áreas das operações, que ocorriam em conjunto com as forças do Mali e da França. Infelizmente no decorrer da confusão toda, nossos equipamentos fotográficos e celulares com as  fotos já efetuadas acabaram sendo "apreendidos" por supostos policiais do Mali, e, ficamos sem imagens originais para ilustrar a nossa aventura na África... 
PS: Voltamos para a França no sábado à noite, com a ajuda prestimosa do pessoal da Embaixada da França no Mali, que providenciou nosso transporte para o aeroporto somente com as roupas do corpo, mas pelo menos, voltamos... rsrs!





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