Por: Ronaldo Diniz
Sabe-se que a
continuidade das operações aeromóveis são essenciais no combate moderno em que
mais e mais Forças de Superfície necessitam de apoio de frações de
helicópteros. Sendo assim, imagine os casos a seguir:
1) Uma
incursão aeromóvel onde, por razões táticas, é impositivo a decolagem de uma
fração de helicópteros momentos antes do por do sol e pouso em uma área não
preparada 20 ou 30 minutos após o por do sol;
2) Escolta
aérea de um comboio, em ambiente urbano, realizada durante a madrugada,
momentos antes do sol nascer; e
3) Vigilância
aeromóvel em que seja necessário a longa manutenção do esforço aéreo, passando
do período diurno para o noturno.
Os casos anteriores
exemplificam situações plenamente factíveis dentro de um quadro tático de
emprego da Aviação do Exército (Av Ex). Os helicópteros, para cumprir as
missões impostas, teriam que transpor do período diurno para o noturno ou
vice-versa, cruzando o que se convencionou chamar de Período Crítico Crepuscular. Atualmente, as operações
aéreas de combate estão limitadas principalmente por restrições meteorológicas
(teto e visibilidade). Contudo, quando se trata de operações noturnas com
Óculos de Visão Noturna (OVN), além da meteorologia, existe mais um componente
restritivo à operação, a iluminação.
A maioria dos OVN
utilizados pelo mundo, incluindo os da Av Ex, são equipamentos passivos de
intensificação da luz residual (necessita iluminação mínima) que ao serem
acoplados no capacete de voo, permitem aos tripulantes ver o terreno e conduzir
o voo visual a baixa altura durante a noite. Dessa forma, poderia se
pensar que, desde que as condições meteorológicas permitam, seria possível
manter a continuidade das operações aeromóveis, passando do voo diurno para o
noturno, simplesmente realizando a configuração, em voo, para uso dos
OVN. A prática nos mostra, no entanto, que as coisas não são tão simples
assim.
Visão do terreno pelas lentes de um OVN. Foto: CPC 2015. |
Os OVN possuem duas
funções extremamente importantes para o seu funcionamento: o Controle
Automático de Brilho (ABC - sigla em inglês) e a de Proteção Contra Iluminação
Intensa (PMC - sigla em inglês). A primeira garante que em um ambiente com
grande iluminação os óculos ajustem o brilho da imagem para garantir a melhor
visualização dos contrastes. Obviamente, esse recurso tem um limite e é aí que
reside a importância da segunda função, ou seja, proteger o equipamento quando
este for exposto a um ambiente excessivamente iluminado.
Esses dois
mecanismos, fazem com que os óculos ao serem expostos a tais ambientes percam a
capacidade de fornecer uma imagem clara do terreno e dos obstáculos, chegando a
obscurecer a visão externa do tripulante. Esse fenômeno pode ocorrer após
o por do sol ou antes do nascer do sol, quando o sol provê iluminação residual
capaz de influenciar o sistema de controle de brilho dos OVN (AN/AVS-6 e
AN/AVS-9), impedindo o seu uso e, ao mesmo tempo, fornecendo pouca iluminação
residual capaz de permitir ao olho humano identificar detalhes importantes do
terreno ou do inimigo, interferindo sobremaneira na continuidade da missão
aeromóvel, o chamado Período Crítico Crepuscular.
Aeronave AS350L1 - Esquilo (HA-1) realizando voo em ambiente com iluminação crepuscular. Foto: CPC 2015. |
Com o objetivo de
tentar determinar melhor os efeitos deste período para as operações aéreas, o
CIAvEx iniciou estudos a respeito das influências da luminosidade do sol
ocasionada pelo crepúsculo solar no voo visual com OVN. Nestes estudos
foram realizados dois voos que serviram como base experimental cujo objetivo
principal seria responder as seguintes questões:
1) Qual o Período Crítico Crepuscular?
2) Qual a influência dessa condição para a continuidade das missões de voo?
O primeiro voo foi
realizado em ambiente urbano na região de Itu - SP com o objetivo de coletar
dados sobre a influência do crepúsculo quando o voo é realizado sobre regiões
iluminadas. No segundo, foi escolhido o setor sul de Taubaté - SP com vistas a
identificar as mesmas influências sobre uma região pouco iluminada. Em
ambos os voos as condições meteorológicas permaneceram estáveis e sem nuvens
significativas que pudessem influenciar na iluminação solar.
Foi estabelecida
uma ficha de observação onde continham quatro dados que cada tripulante teria
que preencher a cada cinco minutos de voo conforme sua percepção visual do
terreno e obstáculos, e sua avaliação quanto à segurança para aproximação e
pouso. As observações se deram desde 15 minutos antes do por do sol até o
momento em que seria possível o uso contínuo e sem restrições do OVN após o por
do sol.
Para tal, foi
estabelecida uma altura de segurança do terreno de 1000 pés AGL em
área reconhecida e utilizado, como fonte para o planejamento e levantamento de
dados, o software Solar Lunar Almanaq Prediction
(SLAP) utilizado pela Aviação do Exército dos Estados Unidos da
América. Exemplo de predição de luminosidade do sol feita
no SLAP.
Exemplo de predição de luminosidade do sol feita no SLAP. |
Ao término do experimento foi observado o seguinte:
1) Até
dez minutos após o por do sol, o voo pode se dar sem quaisquer restrições. É
possível realizar pouso com máxima cautela;
2) A
partir de dez minutos após o por do sol, ainda não era possível utilizar o OVN,
porém já se observou ligeira degradação de detalhes do terreno. Dificuldade em
observar antenas e fios com risco médio para aproximação a pouso em áreas não
reconhecidas;
3) A
partir de 15 minutos após o por do sol, ainda não era possível utilizar o OVN.
Grande dificuldade em ver detalhes do terreno e obstáculos tais como torres,
postes, fios, inclusive de alta tensão. Alto risco para aproximação e pouso,
mesmo em áreas reconhecidas devido a dificuldade em se avaliar distâncias e
alturas. Necessário uso de faróis para segurança;
4) A
partir de vinte minutos após o por do sol, já foi possível configurar o OVN
desde que a aeronave se mantivesse aproada na direção oposta ao sol poente
(azimute geral 300o) a nascente da lua (azimute
geral 100o);
5) Somente a partir de 25 minutos (área iluminada) e trinta minutos em área não
iluminada foi possível utilizar o OVN sem qualquer restrição advinda da
iluminação residual do sol; e
6) Quando o voo foi realizado sobre área iluminada, percebeu-se que, após o
período crítico, as luzes da cidade se acendem iluminando toda a superfície. Em
função disso, a utilização do OVN pode ser antecipada já que o mecanismo de
controle de brilho dos óculos passa a usar a iluminação da cidade (mais clara
que o céu crepuscular) como referência para seu ajuste. Esse fenômeno não ocorreu
no voo sobre área não iluminada, já que a luz do sol, após o crepúsculo,
permanece mais tempo interferindo no sistema de controle de brilho.
Tabelas de iluminação fornecidas pelo SLAP. |
Tabelas de iluminação fornecidas pelo SLAP. |
Conclui-se por fim, que o PERÍODO CRÍTICO CREPUSCULAR, nas condições propostas para experimentação, constitui-se de aproximadamente trinta minutos após o por do sol. Período em que o sol esteve entre 0o e -6o (FCVN) de inclinação, fornecendo luminosidade menor que 400 lux. Além disso, a luminosidade residual deste período impôs restrições ao voo e pode influenciar negativamente na continuidade das operações aéreas.
Observou-se também
que, aproximadamente entre -3o e -4,5o de inclinação do sol ou dez a 25 minutos após
o por do sol, constitui-se o período mais crítico de operação, pois não é
possível realizar operações seguras a baixa altura sem OVN, nem é possível o
seu uso.
Sendo assim, caso
seja necessária a continuidade das operações, ultrapassando os limites do por
do sol, propõem-se que:
1) Caso a situação tática permita, manter-se o voo reto e nivelado em altitude
segura, acima dos obstáculos conhecidos, até que o período crítico crepuscular
seja ultrapassado;
2) Não
planejar a realização de substituições no período crítico; e
3) Não
realizar aproximações e pousos durante esses períodos. Planejar que sejam
efetuados antes ou após.
Apesar de não ter
sido experimentado, acredita-se que as condições observadas possam ser análogas
para o período que antecede o nascer do sol, porém é necessário fazer
experimentações naquelas condições. ♠
FONTE: Revista
Pegasus (CIAvEx)
Nota da
Redação:
O autor do artigo, Srº Ronaldo Diniz, é Major da
arma de Infantaria tendo se formando junto a turma de 1997 da
Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), ele exerce a função de chefe da
Divisão de Doutrina e Padronização (DDP) do Centro de Instrução de Aviação do
Exército, é piloto instrutor de voo e possuidor do Estágio de Voo com Óculos de
Visão Noturna (OVN).
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