Por: Christian Toshio Ito
Com uma área aproximada de 3,5 milhões de quilômetros
quadrados, reservas estimadas de 28 bilhões de barris de petróleo e de 750
trilhões de metros cúbicos de gás natural abaixo do seu leito marinho, e rota
de cerca de um terço do comércio marítimo mundial, o Mar do Sul da China é uma
área marítima circundada pela China e por nove Estados do Sudeste Asiático,
relativamente menores e militarmente menos capazes, como Brunei, Filipinas,
Malásia e Vietnã.
Por cerca de três décadas, essas nações litorâneas têm se
envolvido numa competição crônica, na medida em que intencionam expandir a sua
soberania e seus pleitos jurisdicionais sobre mais de uma centena de pequenas
ilhas, recifes, rochas e suas águas circundantes. As disputas permaneceram em
estado “dormente” durante a década de 90 e o começo do século XXI, com a
assinatura, em 2002, da Declaração sobre a Conduta das Partes no Mar do Sul da
China entre a Associação das Nações do Sudeste Asiático e a República Popular
da China.
Contudo, as tensões ressurgiram em 2009, quando a China
abandonou a sua tática de retardar a resolução das disputas e adotou uma
postura assertiva para assegurar a sua soberania sobre as águas contestadas
(ZHAO, 2011). Essa alteração em sua tática diplomática tinha como objetivo
impedir que outros Estados requerentes, como as Filipinas e o Vietnã,
conseguissem sedimentar seus pleitos e possibilitar que a China negociasse com
as nações “menores” a partir de uma posição de superioridade.
A sobreposição de Zonas Econômicas Exclusivas no Mar do Sul da China |
Com uma postura assertiva, a China consolidou seus pleitos
jurisdicionais no Mar do Sul da China através da expansão do seu poder militar,
perseguindo uma política externa coerciva contra outros Estados requerentes.
Exemplos de medidas agressivas adotadas pela China: aumento das patrulhas
navais utilizando submarinos, navios de pesquisa e navios-escolta na Zona
Econômica Exclusiva e nas águas territoriais japonesas, e intimidação de
empresas petrolíferas estrangeiras que tentam operar no Mar do Sul da China.
Lideranças chinesas estão confiantes que tanto sua
influência política e econômica quanto o fortalecimento de suas capacidades
militares podem influenciar sobremaneira o avanço dos seus interesses
fundamentais no domínio marítimo (ANDREWS, 2015). Essa confiança é refletida na
insistência chinesa na manutenção da Zona de Defesa Aérea e Identificação no
Mar do Leste da China, na condução de exercícios de tiro real pela Marinha e
pela Força Aérea do Exército de Libertação Popular na margem oeste do Oceano
Pacífico, e nas duras respostas de sua Marinha e outras agências marítimas
durante diversas confrontações com navios civis filipinos e vietnamitas no Mar
do Sul da China.
AS DISPUTAS TERRITORIAIS E OS ATORES ENVOLVIDOS
Apesar do status quo ser aceito pelas nações do Sudeste
Asiático, existem disputas específicas que se configuram como pequenas fontes
de atritos e que possuem o potencial de assumir maiores dimensões se o clima de
segurança regional sofrer alguma mudança sensível. Tais disputas são: entre as
Filipinas e Malásia pela soberania do território de Sabah; entre China, Vietnã,
Taiwan, Malásia, Brunei e as Filipinas, pelas Ilhas Spratly; pela posse da Ilha
Pedra Blanca, entre Singapura e Malásia; atritos na fronteira entre Tailândia e
Myanmar; e o caso das Zonas Econômicas Exclusivas sobrepostas de Taiwan,
Filipinas, Malásia e Vietnã.
Navios de guerra chineses em águas contestadas no Mar do Sul da China Fonte: Victor Robert Lee &DigitalGlobe (2015). |
Entre essas disputas, as que têm como cenário o Mar do Sul
da China são as mais sérias por diversas razões. Estas são as únicas que
envolvem mais de duas nações do Sudeste Asiático e outras do Leste Asiático
como partes conflitantes. As características singulares desta região, como a
potencial presença de grandes reservas de gás natural e suas movimentadas
linhas de comunicação marítimas, tornam a dinâmica de segurança notoriamente
complexa. Pequenos incidentes envolvendo quaisquer atores estatais podem
escalar para um conflito de grandes dimensões envolvendo potências externas,
como Estados Unidos e Japão.
Dentre as atuais disputas territoriais no Mar do Sul da
China, podemos elencar as questões das Ilhas Spratly, das Ilhas Paracel e do
Recife de Scarborough como as mais emblemáticas e sensíveis. Estas disputas
envolvem a China, as Filipinas, a Malásia, o Vietnã e Brunei (KAPLAN, 2013). As
disputas territoriais marítimas no Mar do Sul da China remontam a diversos
conflitos históricos entre as nações da região e à sobreposição das linhas que
demarcam as suas Zonas Econômicas Exclusivas e mares territoriais, e têm
levado, periodicamente, a incidentes e períodos de aumento nas tensões.
As disputas voltaram a se intensificar nos últimos anos,
gerando inúmeros incidentes e confrontações envolvendo navios pesqueiros,
navios de exploração de petróleo e gás, navios de guardas costeiras, belonaves
e aeronaves militares. Esta recente intensificação das disputas aumentou
substancialmente as tensões entre a China e os outros Estados da região,
particularmente as Filipinas e o Vietnã (SONAWANE, 2016).
IMPLICAÇÕES PARA A SEGURANÇA INTERNACIONAL
Com a crescente assertividade da política externa chinesa
na última década aliada ao elevado fortalecimento das capacidades militares,
ofensivas e defensivas, do Exército de Libertação Popular chinês, uma solução
pacífica das disputas, alcançada pela via diplomática, se torna de difícil
concretização. As políticas de defesa e a política externa da República Popular
da China contribuem para a afirmação e a consolidação do poder hegemônico chinês
no Leste e no Sudeste Asiático, afetando, assim, a balança de poder na região
(ANDREWS, 2015).
O desequilíbrio na balança de poder regional, causado pela
expansão naval chinesa e pelo fortalecimento da presença da Marinha dos EUA,
fomentou um aumento nos orçamentos militares nos países do Sudeste Asiático,
com o propósito de conter o avanço chinês pelas áreas contestadas. Tais ações
tomadas pelos atores envolvidos deram início a uma corrida armamentista na
região, dificultando ainda mais o estabelecimento de um processo de
normalização e estabilização das relações interestatais entre as nações com
disputas territoriais no Mar do Sul da China.
Sendo o Mar do Sul da China uma área de grande relevância
estratégica em âmbito mundial, quaisquer alterações no status quo despertam as
atenções de nações extra regionais que possuem interesses nesta área, como os
Estados Unidos da América e o Japão. Vale ressaltar que estes dois Estados,
principalmente o Japão, se apresentam como antagonistas à expansão chinesa no
Oceano Pacífico, tornando a interferência externa desses dois países um fator
agravante no contexto atual do Mar do Sul da China.
A construção de ilhas artificiais pela República Popular da China Fonte:Center for Strategic and International Studies. |
Enquanto a República Popular da China busca ampliar a sua
esfera de influência na região, os EUA e o Japão fazem o mesmo, forçando os
Estados do Sudeste Asiático a escolher um dos lados para se alinhar. Tal
escolha, que se assemelha, guardando as devidas proporções, ao cenário
internacional bipolar da Guerra Fria, acentua as disparidades entre os atores
envolvidos nas disputas territoriais no Mar do Sul da China.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As suas características geográficas distinguem o Mar do Sul
da China como uma região com alto valor estratégico e geopolítico. Cenário de
disputas territoriais motivadas por divergências acerca de delimitações de
Zonas Econômicas Exclusivas, controle de áreas pesqueiras e pelo antagonismo
entre Pequim e Washington, as águas contestadas desta porção do Oceano Pacífico
se configuram como um desafio para as políticas externa e de defesa dos
governos da região e de potências externas, como os EUA e Japão.
A incapacidade dos atores estatais conflitantes de
resolverem, de forma pacífica, as disputas territoriais, aliada à expansão
naval chinesa e ao aumento da presença das forças navais da USNavy nas águas
contestadas, torna o Mar do Sul da China uma das regiões mais propensas a se
tornarem palco de conflito internacional no século XXI. Por ser uma região de
alto valor estratégico permeada de disputas territoriais interestatais,
qualquer incidente envolvendo as partes conflitantes pode gerar uma crise
generalizada no Mar do Sul da China, o que representaria uma grave ameaça à paz
e à segurança internacional.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS DO AUTOR
ANDREWS, B. China’s Self-Defeating Strategy in the South China Sea.
The National Interest. 2015. Disponível em:
Acesso em: 02 ago. 2016.
KAPLAN, Robert. A Vingança da Geografia: A Construção
do Mundo Geopolítico a Partir da Perspectiva Geográfica. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2013.
SONAWANE, V. South China Sea Controversy, International
Business Time. 2016. Disponível em: Acesso em: 6 ago. 2016.
ZHAO, S. China’s
Territorial Disputes in the South China Sea and East China Sea. 2011. Disponível em: Acesso em: 7 ago. 2016.
Nota da Redação: Artigo Extraído da “Revista de Villegagnon”, Número 11 de 2016, o Autor é Aspirante da Marinha do Brasil.
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