quarta-feira, 8 de junho de 2016

Fotojornalismo de risco, estamos preparados?


Por Yam Wanders


Recentemente, nesse último domingo dia 5 de junho, tivemos a triste notícia da morte de mais um fotojornalista em trabalho, o americano David Gilkey(50 anos) encontrou a morte juntamente com o intérprete afegão que o acompanhava, Zabihullah Tamanna (38 anos), em um ataque ao veículo em que estavam, um jipe Humvee do exército afegão (não sabemos se era uma missão de patrulha ou simples deslocamento de rotina) acompanhada por David e também por outros correspondentes americanos da Agência NPR, Monika Evstatieva e Tom Bowmam, que estavam em um outro Humvee logo atrás que também foi atingido mas não chegou a sofrer danos significativos e assim não sofreram ferimentos.

De acordo com a ONG Reporters sans Frontiéres/Reporters without Borders*, somente esse ano de 2016 15 jornalistas já morreram, e desde 2015 morreram 110 jornalistas em todo o mundo, sendo que 67 morreram enquanto trabalhavam durante suas coberturas e outros 43 morreram em cirscunstâncias não esclarecidas, mas que podem ser ligadas ao trabalho jornalístico. Também temos a cifra de 27 pessoas mortas enquanto trabalhavam como jornalistas não profissionais e 7 funcionários de outras mídias diversas. Temos ainda a cifra de 54 jornalistas feitos reféns e ainda em cativeiro e um total de 787 jornalistas mortos desde 2005! 


No momento em que eu terminava essa matéria(02:15h do dia 08/06/2016) tomei conhecimento da morte da radialista somaliana Sagal Salad Osmam, na cidade de Mogadíscio, ocorrida ainda em circunstâncias desconhecidas, porém tendo como  suspeitos uma milícia de radicais islâmicos locais. O interessante desses dados é que muitas mortes ainda ocorrem em países que não estão em guerra, sendo o Brasil um deles onde ainda mais ocorrem mortes de jornalistas, sem contar feridos dos mais diversos níveis de gravidade.


Operação UNITAS Amphibious 2015, onde jornalistas de diversos meios 
e origens tiveram a oportunidade de experimentar uma simulação 

extremamente realista de uma situação de crise generalizada, com 

diversos tipos de cenários complexos. Mas nada se compara a uma 

situação real onde riscos diversos estão ocultos e o socorro nem sempre 

imediato ou até mesmo disponível.
O "escopo" dessa matéria é exercitar o debate de uma filosofia de preparação e sobrevivêncialismo para todos aqueles que, profissionais ou não, se dedicam ao "metiér" do fotojornalismo em ambiêntes de risco, em especial quando se trata de situações extremas que vão desde catástrofes naturais, passando por protestos de massas e até seu extremo de situação que é a cobertura de guerras em campo próximo ou nas linhas de combate. Sem embargo, posso já deixar claro que temos alguns diferentes tipos de jornalistas que se aventuram nesses ambiêntes, sendo inicialmente 3 tipos; Civis que ingressaram na profissão pelo gosto do diferente mas são "obrigados a entrar nessa" pela vocação profissional de nada deixar de lado; os Militares que são designados exclusivamente na função pelos órgãos de comunicação social de suas forças armadas, e finalmente; os ex-militares que na vida civil encontram nas atividades jornalísticas uma maneira de se manterem ligados ao meio militar unindo o útil ao agradável no fotojornalismo em ambiêntes extremos, muitos por iniciativa e investimento próprio, e, sem obter ganhos financeiros com isso.
Parâmetros para julgar a capacitação "versus" nível de risco de cada um entre os três exemplos citados é algo difícil de imediato, pois cada ser humano e cada realidade é um mundo à parte para se contabilizar em uma avaliação inicial.  
Quando se trata de operações onde existe o apoio de forças militares governamentais, os briefings são a melhor e indispensável oportunidade de se informar sobre tudo o que se passa e saber todos os níveis de riscos.
Porém o ponto final é; O quanto estamos preparados para situações extremas durante nossas atividades fotojornalísticas em um ambiênte de risco, seja em um local de ocorrência de um acidente e/ou catástrofe natural, passando por situações de rebeliões e/ou desordens civis e até o extremo de uma frente de combate?

Doutrina de preparação e sobrevivêncialismo na prática

Eu, acompanhando o treinamento de patrulha de soldados
 do 2° REP da Legião Extrangeira na região de 
Gorges du Tarn, França em 2009.
Pessoalmente já tive o prazer de me envolver em algumas boas aventuras na minha vida, sejam voluntariamente, profissionalmente ou por força dos fatores sorte/azar inerentes a minha vida militar e civil, mas as histórias não são o foco dessa matéria. O que aprendi vivenciando essas situações é o que penso ser de maior valor para compartilhar com amigos e colegas de profissão ou com quem apenas gosta de caçar aventuras para postar nas redes sociais, pouco importa a finalidade de suas fotos, o mais importante é voltar da aventura e/ou trabalho vivo e incólume.  
Não importa o tamanho da aeronave na qual você vai viajar,  saber abrir portas e escapar em situações de emergência é fundamental seja no Boeing ou no "teco-teco". 


Aonde não existe cobertura de telefonia portátil, saber estabelecer
comunicação por rádio é fundamental para a
segurança e para facilitar possíveis resgates.
Quando se fala em "sobrevivência" sempre se vem a mente em nossos tempos a imagem dos atuais aventureiros de programas de TV que saltam de helicóptero por ai, e, em terra fazem de tudo, o pessoal dos anos 80 logo lembra do Mac Giver e os mais antigos lembram dos filmes e histórias da 2a Guerra e Vietnãm. Mas hoje o "sobrevivencialismo" é reconhecidamente uma doutrina que já não trata só se saber fazer fogo na floresta ou saber achar o norte pelas estrelas, o mundo globalizado é hoje tão perigoso quanto era nos tempos dos descobrimentos ou até mais, com a diferença apenas que podemos escolher o local do globo aonde vamos vivênciar os perigos e chegar lá em torno de apenas 40 minutos ou  a 24 horas de vôo saíndo ali do Aeroporto de São Paulo/Guarulhos ou qualquer outro à sua disposição. 
O básico que se pode imaginar e raciocinar para qualquer viagem aonde estaremos expostos a situações extremas eu transformei em um "check list" pessoal, mas que não tenho a pretensão de vender como verdade absoluta ou guia de referência, pois cada realidade pessoal e situação é única, mas como comentamos em ambiente aeronáutico, a velha frase SIPAER sempre vem a tona, pois "em segurança não á bandeiras nem segredos". Quem é profissional da segurança de vôo vai encontrar uma óbvia semelhança na comparação da sistemática " O homem, o meio e a máquina" nesse check list.
Sendo assim trabalho minha doutrina de "sobrevivência" dentro dos pontos do seguinte check list pessoal:


1- Fatores humanos/fisiológicos:

Não foi eu? Não foi você? Sorte nossa, não havendo riscos no local, 
saber o que fazer para ajudar é sempre uma obrigação moral para 
com nossos colegas de atividade e outros que necessitem desde que 
sua segurança não seja comprometida.
1.1 - Condição física; como está minha condição física atual? Estou com capacidade física que me permite correr ou fazer longas caminhadas, carregar peso, suportar desconfortos, privação de alimentação por períodos prolongados, entre outras? 

1.2 - Condição de saúde; quais são minhas propensões fisiológicas que podem me incapacitar no local? Problemas digestivos, dentários, visão, o que posso prevenir e/ou remediar com medicamentos simples e sem auxílio médico?

1.3 - Condições de quem vai me acompanhar. Quem vai comigo possui limitações e como posso fazer para ajudar e/ou ser ajudado em caso de necessidade?





A importância de estar comunicável não importa aonde, eleva a 
moral do grupo e pode salvar vidas. Saber usar rádios é 
uma obrigação pois nem sempre teremos cobertura 
para telefonia móvel.
2-Fatores materiais:

2.1 - Possuo material adequado para a viagem que farei? Tenho um bom kit de 1os socorros e material de auxílio (lanternas, comunicação, sinalização, alimentação de urgência, roupas para troca, etc...). Quais materiais posso obter facilmente no local ou não?

2.2 - Possuo conhecimento para usar os materiais que portarei, principalmente os de 1os socorros, comunicação e sinalização? Quem vai me acompanhar possui conhecimentos e capacidade para usar esses materiais?

2.3 - Quais materiais poderei transportar e usar na viagem e no local que permanecerei? O que é permitido ou não pelas autoridades locais e que podem me causar problemas? Como substituir cada ítem não permitido ou obter outros no local ?
Tão importante como o seu conhecimento e à altura do seu equipamento, é obrigatório ter uma boa mochila para carregar seu equipamento fotográfico, seu kit de 1os socorros e equipamentos auxiliares, não importa se o modelo escolhido é uma modelo modular tática, uma de griffe esportiva ou de montanhismo, mas que seja realmente forte e de qualidade, obviamente dependendo do local, caso seja uma região de conflito, o uso desse tipo de mochila não é recomendado pois muitas forças militares usam equipamentos similares e nessa situação o que o jornalista não quer de alguma maneira é ser confundido com algum combatente. 




 3 - Fatores locais:

Amigo ou inimigo? "Vítimas" ou infiltrados? A imparcialidade
serve não só para sua atividade profissional como também 
para garantir sua integridade física. O ser humano se 
transforma quando em situações extremas e comportamentos
imprevisíveis são constantes em situações de calamiades ou guerras.


3.1 - Qual meu nível de conhecimento do local/país que irei, seu idioma, sua geografia, autoridades locais, facilidades de comunicação com meu país de origem, localização da embaixada/consulado de meu país e eventuais colaboradores civis locais?

3.2 - Qual os riscos imediatos e secundários que possivelmente ocorrerão no local/país que irei e quais ações poderão me proteger desses riscos?

3.3 - Quais meus planos A, B e C eu tenho para me evadir e retornar ao meu país ou local seguro caso tudo fuja do normal, desde uma simples situação de separação acidental de meu grupo até mesmo o extremo de ser sequestrado ou preso por forças hostis?


Situações de triagem de elementos ou grupos de pessoas são sempre demoradas e detalhadas, todos estão sob forte tensão e esse não é o momento de pensar em tomar partido de um ou de outro devido a emoções humanitárias, pois sempre existem elementos que se valem dessa situação para se passar por refugiados que realmente necessitam de ajuda para empreender fuga ou se infiltrar com explosivos para efetuar ataques suicidas contra instalações e tropas e forças de ordem. Nesses momentos o silêncio, a paciência e frieza são regras de ouro para quem não tem nada a ver com o conflito e está no local apenas pela imparcialidade do jornalismo profissional.

Salvo óbvias exceções, as forças de segurança não tem como advinhar quem é quem em um ambiênte de conflito, sendo assim esteja preparado psicologicamente para eventualmente ser tratado como um suspeito de ser "insurgente" até que as devidas identificações e checagem de segurança sejam efetuadas pelos militares. Bom censo, paciência e só falar o necessário quando questionado são regras básicas nesse tipo de situação delicada.
 Observação importante: Como deixei claro anteriormente, não me considero algum grande especialista do assunto, não tenho a pretensão de "dar aula" sobre o tema, mas apenas de incentivar o debate saudável e a troca de conhecimentos com a intenção de fomentar a segurança para todos em suas atividades, não importa se o colega fotojornalista tem à sua disposição uma estrutura de alguma força militar governamental, patrocínio de vulto empresarial ou se gasta recursos pessoais para se aventurar pelo mundo em busca de suas imagens e matérias jornalísticas. O importante é que todos possam viver e voltar em segurança, e, se possível, com boas imagens e histórias para compartilhar com todos!
Atendendo à pedidos de nossos amigos, colegas e leitores em breve desenvolveremos mais sobre o assunto. 

 

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