Leopard 2 sendo testado durante as provas de campo |
Por: Daniel Longhi Canéppele
No
final da década de 1990, o Exército Canadense (EC) iniciou um processo de
transformação, mudando sua estrutura, baseada em tropas blindadas pesadas
destinadas ao combate convencional para uma base primariamente média de rodas.
O objetivo desta transformação era evoluir a doutrina advinda das ameaças da
Guerra Fria para uma doutrina capaz de operar, com eficiência no ambiente
operacional do futuro. Em 1998, o EC expediu a “Orientação e Direção
Estratégica da Força Terrestre” (Land Force Strategic Direction and Guidance), o
primeiro documento versando sobre como se procederia esta transformação. O
estudo dividiu o futuro em três períodos distintos: Exército de Hoje (Army of
Today), para os primeiros 5 anos; Exército de Amanhã (Army of Tomorrow), para
do 5º ao 10º ano; e o Exército do Futuro (Army of the future), para do 10º ao
30º ano de transformação.
Leopard 2 durante exercício do Exército Canadense |
Em
4 anos, em 2002, a transformação do exército foi articulada na doutrina
estratégica do Exército de 2002, chamada de “Avançando com Propósito: A
Estratégia do Exército” (Advancing with Purpose: The Army Strategy). Este
documento lançou as condições em que se procederiam as transformações e foi a
primeira publicação fundamental após os atentados do 11 de setembro. Em seu
conteúdo estava expresso que a estratégia seria: “O Exército gerará, empregará
e sustentará forças médias relevantes e taticamente decisivas”. Em 2004, o
governo canadense anunciou que adquiriria a plataforma MGS (Main Gun System) da
General Dynamics, uma viatura blindada (VB) sobre rodas com base no LAV III, dotada
de canhão 105mm, a fim de substituir as viaturas blindadas de combate carro de
combate (VBCCC) Leopard 1 C2, contudo, em abril de 2007, o EC decidiu adquirir
120 VBCCC Leopard 2, uma viatura pesada, contrariando os rumos estabelecidos da
migração para tropas médias.
Leopard 1 A5 canadense com sistema de blindagem modular expansível( MEXAS) que tambem foi muito eficiente contra RPGs no Afeganistão. |
Quais
motivos levaram a esta guinada estratégica? Se a espinha dorsal do EC passaria
a ser tropas médias, por que adquirir uma quantidade considerável de carros de
combate pesados? Os motivos que levaram a esta decisão se deram com base nas
experiências vivenciadas em operações e outros, que serão explicados a seguir.
É importante notar que durante os anos de 2006- 2007, o EC lutava no
Afeganistão com seus LAV III (20 tons), dotados de canhão Bushmaster 25mm e
Metralhadora 7.62mm, contra os insurgentes talibãs. Esta VB possuía poder muito
superior às forças insurgentes, porém, a partir de 2006, em Kandahar, os
talibãs mudaram suas estratégias de combate, adotando táticas de defesa a
partir de posições fortificadas e trincheiras, adotando emboscadas e
posicionando obstáculos e artefatos explosivos improvisados (AEI).
Leopard 2 A6 do Exército Canadense na campanha do Afeganistão, e que utiliza como proteção lateral contra os RPGs afegãos, a eficiente blindagem gaiola. |
Como
consequência, a efetividade do poder de fogo e a mobilidade do LAV III foi
reduzida e o número de baixas canadenses aumentou. A conclusão a que se chegou
foi a de que “atacar com carros de combate liderando é a regra”. O carro de
combate é capaz de prover apoio de fogo aproximado e preciso onde nem mesmo o
fogo aéreo consegue chegar. Decidiu-se enviar 15 Leopard 1 C2 ao Afeganistão, o
que aumentou a proteção das tropas, proporcionou limpeza de rotas dos AEI e
pode-se acessar posições no terreno que seriam impossíveis de se chegar com os
LAV III. Esta VB, contudo, possuía tecnologia já obsoleta, falta de peças de
reposição, não possuía ar-condicionado, o que tornava sua operação muito difícil
dado o extremo calor daquela região.
Esquema de três vista do Blindado |
Os
sistemas hidráulicos da torre aqueciam o que intensificava os efeitos da alta
temperatura ainda mais, além de se tornarem um fator de risco, uma vez que os
fluidos pressurizados e quentes poderiam ocasionar queimaduras fatais quando a
VB fosse atingida pela explosão de um AEI. A VBCCC Leopard 1 C2 não
proporcionava proteção blindada suficiente e, embora possuísse poder de fogo
para fazer frente ao Talibã, o mesmo não ocorreria caso fosse necessário
combater uma VBC mais moderna. Este foi o primeiro argumento para a aquisição
de 100 VBCCC Leopard 2 A4 (Holanda) e 20 VBCCC Leopard 2 A6 (Alemanha). O
segundo argumento diz respeito à mitigação dos riscos operacionais. As forças
pesadas também possuem outras vantagens, quando comparadas com tropas leves ou
médias.
Em operação no Afeganistão |
A
tríade potência de fogo/proteção blindada/mobilidade é significantemente maior
nas VBC pesadas, o que possibilita melhores capacidades para se operar em um
ambiente operacional contemporâneo, onde as ameaças variam dentro do amplo
espectro dos conflitos. A mitigação dos riscos operacionais faz parte do
processo de gerenciamento do risco, sendo que, dentro da doutrina canadense
consiste no “aumento das capacidades operacionais e cumprimento de missões com
o mínimo de baixas”. Esta mitigação é, então, a parte do processo onde os
riscos são avaliados e comparados com os benefícios de sua assunção, sendo
adotadas ações para minimizar aqueles que forem desnecessários.
Operando no Afeganistão, utilizando a gaiola contra RPG´s |
Pode-se
inferir, desta forma, que a tríade potência de fogo/proteção
blindada/mobilidade das forças pesadas colabora substancialmente para a
mitigação dos riscos, pela redução do número de baixas e pelo aumento das
capacidades operativas no amplo espectro dos conflitos, incluindo operações de
alta intensidade, contra inimigos com capacidades similares. O terceiro
argumento para a aquisição da frota de Leopard 2 foi a pressão política
exercida pelo aumento do número de baixas em combate em 2006, em relação a
2005, o que levou a mídia e a sociedade canadense a exigir dos políticos
providências. A proliferação massiva do emprego de AEI pela insurgência foi a
principal responsável por estas baixas e o aumento da proteção blindada mais
eficiente se fazia necessária.
Membro do Exército Canadense, utilizado o simulador do CIBLD |
Acredita-se
que se o emprego das VBCCC Leopard 1 C2 tivesse estancado o aumento do número
de baixas, o que não ocorreu, dificilmente se teria feito a opção pela
aquisição de VBC pesadas. A experiência e as lições aprendidas no combate vêm
normalmente ao custo de sangue dos soldados. Quando estas lições são
internalizadas e provocam mudanças estruturais profundas no como organizar,
como equipar e como combater, este custo não é em vão, pois no futuro, o mesmo
sangue dos soldados será poupado. A experiência canadense reforça a tese de
que, por mais que a tecnologia militar evolua, os exércitos ainda depositarão
em suas tropas blindadas, sobretudo nas mais pesadas, grande parcela de
responsabilidade pelo sucesso das ações de combate. Potência de fogo, proteção
blindada e mobilidade sempre serão fatores decisivos nos campos de batalha.
Nota da Redação: O Autor do artigo, o Srº Daniel
Longhi Canéppele, é Major da Armda de Cavalaria e Chefe da Seção de Ensino e Operações de Blindado do CI Bld e contou com a participação do Srº Ádamo Luiz Colombo da
Silveira, Tenente Coronel da Arma de Cavalaria e Comandante do Centro de Instrução de Blindados
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